

Quem não acompanha de perto o mercado de tech imagina que a Inteligência Artificial (IA) é uma novidade muito recente.
De fato, as tecnologias e os grandes modelos de linguagem chegaram a um patamar de evolução em 2023 que popularizou o tema. Afinal, quando surge um chat que pode exercer atividades que, teoricamente, substituiriam profissões e cargos, é claro que isso chamaria a atenção do público — seja pensando em automatizar algumas funções do dia a dia, seja por medo de perder o emprego para um computador.
Aqui, eu digo “teoricamente” porque, em um artigo recente, compartilhei uma “conversa” que tive com o ChatGPT para saber se ele é capaz de substituir Investment Bankers. No bate-papo, mostrei que a profissão não está com os dias contados, mas a evolução da tecnologia pode trazer novidades para a carreira.
Para além dos filmes de ficção científica, que fazem sucesso há pelo menos um século imaginando viagens espaciais e robôs exercendo atividades humanas, as Big Techs — companhias gigantes que ditam os avanços tecnológicos do mundo — também estão de olho na IA e movimentam esse mercado há mais de uma década.
Recentemente tive uma conversa com Roberto Frossard, head de tecnologias emergentes no Itaú e ex-diretor de inovação na Accenture e ele me passou um mapa da evolução da IA, que replico abaixo:
O momento pode ser considerado como uma “corrida da inteligência artificial”. Gigantes da tecnologia, como Apple, Google, Amazon, Meta, Microsoft e Venture Capitals estão investindo cifras bilionárias para aumentar a sua parcela de influência no mercado, adquirindo empresas e startups que desenvolvem essas novas tecnologias.
Saímos de uma era de Machine Learning, com sistemas especializados como a Lu do Magalu que te ajuda nas compras para uma era de Machine Intelligence, com IAs com capacidade de aprender e executar textos, imagens e vídeos. Essa novidade trouxe USD 14,1bi em deals em 2023.
Fonte: CB Insights
Fonte: tradedvc instagram
“Olá, Siri!” Quando o assunto é IA, a Apple é a pioneira. A compra do app de comando de voz “Siri” em 2010 pode ser considerada a “largada” dessa corrida. De lá para cá, a Apple é a big tech que mais fez M&As para avançar a IA em seus produtos: entre 2010 e 2021, foram 29 compras.
Nesse período analisado pela CB Insights, as cinco gigantes da tecnologia que mencionei mais acima adquiriram, juntas, 76 startups de IA!
Fonte: CB Insights
Veja que o levantamento já trazia números expressivos de M&A em 2021, portanto antes do lançamento do ChatGPT e antes da IA se tornar a “tecnologia da vez” aos olhos do público.
As movimentações agressivas das Big Techs para se antecipar e ocupar novos mercados não são exclusivas com a IA. Com seus market caps avaliados em trilhões de dólares, dinheiro em caixa não é exatamente um problema para investir em empresas emergentes de qualquer setor.
O M&A faz parte da estratégia das gigantes para alcançar alguns objetivos:
- Incorporar uma tecnologia emergente para o seu portfólio;
- Expandir a sua participação em um setor onde já está consolidado;
- Ampliar a atuação para novos setores emergentes.
Os exemplos mais lembrados são as aquisições do Instagram e do WhatsApp pela Meta, ainda chamada de Facebook na época dos deals. Dois anos depois de pagar uma “barganha” de US$ 1 bilhão no Instagram, a Meta comprou em 2014 o WhatsApp por US$ 22 bilhões, adquiriu a tecnologia de mensagens instantâneas e praticamente dominou o setor de comunicação digital e mídias sociais.
Conhecida como a maior empresa de varejo digital do planeta, a Amazon entrou no mercado de alimentos saudáveis em 2017, quando adquiriu a rede de supermercados Whole Foods por US$ 13,7 bilhões. O deal permitiu que a Amazon expandisse sua presença física e aproveitasse a estrutura dos supermercados para complementar seu domínio no comércio eletrônico.
Mais recentemente, em 2020, o Google comprou a empresa de wearables Fitbit, para reduzir a diferença da WearOS para a concorrência da Apple e do Apple Watch no mercado fitness. Com a aquisição, o Google absorveu os quase 30 milhões de usuários ativos da Fitbit para a sua base de clientes, quase como num passe de mágica — que custou US$ 2,1 bilhões.
E por fim a Microsoft que decidiu investir US$ 10 bilhões na OpenAI, a empresa dona do software de inteligência artificial ChatGPT, avaliando a companhia baseada em São Francisco em US$ 29 bilhões.
Estratégia continua, mas cenário econômico reduz o ritmo
De acordo com o Tech M&A Report da CB Insights para o segundo trimestre deste ano, as Big Techs estão mais tímidas para fazer grandes movimentos de fusão e aquisição. O primeiro motivo para uma desaceleração em relação aos últimos anos é a instabilidade econômica.
Claro, os riscos com incertezas econômicas sempre vão fazer as empresas negociarem com mais cautela.
O outro motivo destacado pelo relatório é o aumento da pressão de órgãos antitrustes, principalmente nos Estados Unidos e na Europa.
Fonte: CB Insights
Com o poder financeiro, fica fácil para as Big Techs expandirem sua influência e dominarem o mercado. Por isso, os órgãos reguladores estão sempre fiscalizando negociações entre empresas para apontar possíveis irregularidades que possam prejudicar a concorrência em um setor.
A Microsoft, por exemplo, está tentando convencer, desde 2022, os órgãos de controle antitruste do Reino Unido a aprovar a aquisição da Activision Blizzard, uma das principais desenvolvedoras de jogos do mundo, dona de títulos famosos como “Call of Duty”, “Candy Crush” e “World of Warcraft”. As cifras dessa negociação são próximas dos US$ 70 bilhões.
Algo parecido está acontecendo com a aquisição do Figma pela Adobe, concorrentes do mercado de softwares de design. O deal de US$ 20 bilhões está sendo revisado não só pela agência britânica, como está bloqueado pela comissão antitruste europeia e pelo departamento de justiça dos EUA.
Em busca do EXIT: o segredo para tech startups entrarem no jogo
Quando tratamos de Big Techs, estamos falando das empresas mais valiosas do planeta. Mas não são só os deals entre big players que alimentam as estatísticas de M&A das Big Techs: também há espaço para empresas menores.
Fora das negociações multibilionárias, existem muitas tech startups com produtos que podem agregar capacidades únicas para as gigantes, acelerar desenvolvimentos internos e incorporar diferenciais competitivos no mercado. É o caso da Fig, software de preenchimento automático para desenvolvedores, fundada em 2020, que havia recebido cerca de US$ 2 milhões de financiamentos com equipe reduzida e já foi adquirida em agosto pela Amazon.
Você quer chamar a atenção do mercado? Um bom produto é o primeiro passo. Isso pode ser o suficiente para atrair grandes companhias, mas talvez não seja suficiente para tirar todo o valor de uma startup em um M&A.
Como sempre alerta o meu colega de mercado Felipe Veiga, sócio da BVA advogados e com mais de 200 deals concluídos, a governança corporativa ajuda muito nessa hora: bons contratos, um bom acordo de sócios, relações trabalhistas estáveis, um assertivo planejamento tributário e a proteção de ativos intangíveis são fundamentais para os negócios.
Mas, para Veiga, existe um ponto principal que merece a maior atenção dos founders. “Um cap table saudável, cujos investidores e opcionistas possuam direitos adequados; caso contrário, tais investidores e opcionistas, que deveriam ser peça fundamental na sustentação do BP e da visão dos founders, podem se tornar grandes desafios para levar a companhia para uma próxima captação ou até mesmo um evento de liquidez, como um M&A ou um IPO.”
A partir desses mapeamentos, alguns negócios podem evoluir para um fechamento que apresente cifras que vão deixar os founders satisfeitos e o ecossistema de tecnologia avançando cada vez mais.
*Alexandre Cracovsky, CFA, é vice-presidente na ADVISIA Investimentos e atuou na área de M&A e Post Merge Integration de um grande conglomerado nacional.
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