Parlamento Britânico recomenda que governo crie regulador independente de futebol até o fim de 2023


O Comitê de Cultura, Mídia e Esporte do Reino Unido pediu que o governo estabeleça um novo regulador independente para o futebol “em forma de sombra” até o fim do ano, com a implementação prevista para o próximo ano. As discussões sobre um regulador independente acontecem desde que houve a tentativa de criação de uma Superliga Europeia de Clubes, em 2021, e tem sido discutido pelo Parlamento Britânico desde então.

No Reino Unido, é comum ter os chamados “gabinetes sombra”, equipes escolhidas pelo líder da oposição para espelhar o gabinete equivalente do governo. Cada membro do gabinete paralelo é nomeado para liderar uma área política específica do seu partido e para questionar e cobrar o setor correspondente do governo. É uma forma de organização da oposição para que haja cobrança sobre políticas públicas, que podem ser estabelecidas se a oposição de tornar governo.

A ideia de ter um regulador independente do futebol “em forma de sombra” tem a ver com isso: serviria para ser um regulador dos próprios órgãos oficiais do futebol, que já existem, como a FA (Football Association, a Federação Inglesa de Futebol), a Premier League, a English Football League (EFL, que comanda as divisões inferiores do país) e outros.

No dia 7 de setembro, o governo britânico reafirmou o compromisso de criar o órgão regulador. O anúncio foi feito após um processo de consulta pública de sete meses com clubes e autoridades do futebol a respeito do assunto. Foram consultadas pessoas que acreditam que é preciso haver mais regulação e outras que acreditam que não tem que haver regulação alguma. No fim, o governo chegou à conclusão que ter um regulador independente de futebol é necessário, de acordo com tudo que foi apresentado.

A ação foi o seguimento do chamado “White paper” sobre da regulação do futebol, documentos de política produzidos pelo governo que estabelecem suas propostas para futura legislação, enviado ao Parlamento em fevereiro. É o equivalente no Brasil ao governo enviar um projeto à Câmara, propondo uma legislação. O documento apresentado na época tinha o nome de “A Sustainable Future – Reforming Club Football Governance” (“Um Futuro Sustentável — Reformando a Governança do Futebol de Clubes”, em tradução livre).

A proposta de regulação no futebol é antiga, mas a Superliga Europeia deu tração para que projetos antigos saíssem do papel, como o da parlamentar Tracey Crouch. Os clubes não gostaram da ideia de ter um regulador externo independente e trabalharam, inicialmente, contra essa ideia. À medida que a ideia ganhou força e se tornou inevitável, os clubes e as ligas passaram a trabalhar para que ela interferisse o menos possível. É esse o estado atual, no momento que se discute a efetiva criação desse regulador independente.

O Comitê de Cultura, Mídia e Esporte tem 11 membros do Parlamento, e que responsabiliza o departamento de estado responsável por cultura, mídia e esportes, concordam, mas acreditam que não há tempo a se perder e é preciso ter uma data para começar os trabalhos.

Comitê pede que governo coloque o assunto na abertura do Parlamento

“Recomendamos que o governo deve estabelecer um regulador independente parta o futebol inglês em forma de sombra até o fim de 2023, para garantir que ele possa iniciar o desenvolvimento inicial e o trabalho preparatório antes de aguardar a aprovação da legislação”, disse o Comitê, publicado nesta terça (26).

“O governo deve garantir que a legislação necessária para dar poderes estatutários ao regulador independente seja incluída no próximo Discurso do Rei e garantir que a legislação seja aprovada no atual parlamento”.

O Discurso do Rei citado no comunicado do Comitê se trata da um comunicado feito pelo monarca do país na cerimônia de abertura do parlamento e estabelece a agenda legislativa do governo. Será realizado no dia 7 de novembro e quase certamente será o último antes da próxima eleição geral, prevista para acontecer em janeiro de 2025. Por isso a pressa para estabelecer o órgão regulador e não depender de mais uma legislatura para isso.

O Comitê é composto por seis membros do Partido Conservador, quatro do Partido Trabalhista e um do Partido Nacionalista Escocês. Foi pedido a autoridades do futebol que pressionem pelas reformas que eles já começaram a fazer com uma regulação maior em mente “para proteger os clubes que estão atualmente em risco”.

Atualmente, três clubes estão com problemas financeiros graves: Reading, Scunthorpe United e Southend United. Ainda não se sabe se a regulação sairá a tempo de tentar ajudar esses clubes com uma regulação maior e mais transparência para a compra e venda de clubes, com maior fiscalização sobre como isso é feito e quem são os compradores.

Maior divisão das receitas é uma das pautas

Um dos pontos mais controversos da discussão sobre futebol no mundo todo é como distribuir a renda entre o topo da pirâmide e as partes mais baixas. As diferenças entre os clubes mais ricos e os mais pobres é uma questão discutida há anos, mas ficou ainda mais evidente com a pandemia da Covid-19.

Os clubes da Premier League conseguiram sobreviver quase sem sobressaltos, já que as suas principais receitas provêm de direitos de transmissão, que são os maiores do mundo para uma liga nacional de clubes. Clubes da base da pirâmide, que dependem de receitas de bilheteria, venda de comida e bebida nos dias de jogos, sentiram muito mais o baque e ficaram ainda mais endividados.

Por isso, a English Football League (que administra a Championship, League One e League Two, equivalente à segunda, terceira e quarta divisão) diz que a melhor resposta seria dividir 25% do total de receitas de transmissão com clubes abaixo da Premier League. Uma proposta que, evidentemente, não deixa os dirigentes da Premier League e seus clubes muito satisfeitos.

A Inglaterra é um dos países que mais distribui o dinheiro com divisões inferiores. Atualmente, 16% do total da receita de transmissão é distribuído para o resto da pirâmide, mas dois terços desse montante estão concentrados nos clubes rebaixados da Premier League, os chamados “pagamentos paraquedas”, uma forma de amenizar a queda brusca de receita de uma divisão para outra. Contudo, esse tipo de pagamento é criticado há anos, porque dá aos clubes rebaixados uma vantagem competitiva em relação aos demais na disputa pelo acesso.

A EFL quer acabar com os pagamentos paraquedas justamente por influenciar, na visão deles, de forma negativa na competitividade da Championship, segunda divisão do país. Para a EFL, essa medida faz com que outros clubes acabem gastando até mais do que podem para conseguir competir com os clubes rebaixados, o que cria um problema para a liga. A Premier League, porém, discorda. Quer proteger esses clubes, porque isso faz com que eles invistam quando cheguem na primeira divisão, sabendo que terão um colchão caso sejam rebaixados.

Embora as duas entidades discordem nesse aspecto específico, a Premier League concorda que precisa distribuir mais dinheiro com o resto da pirâmide e propôs o aumento do fundo de solidariedade, que distribui anualmente para os clubes da EFL um valor de 130 milhões de libras. A proposta é menor que os 25% do total de receitas proposto pela EFL, mas os clubes e o governo têm pressionado para que a entidade aceite o acordo, de forma a todos cederem para chegarem a um consenso.

EFL e Premier League concordam em criar um Fair Play Financeiro

Tanto a Premier League quanto a EFL concordam em criar um sistema de Fair Play Financeiro para suas ligas de forma similar ao que opera na Uefa, para clubes que disputam competições continentais. Com isso, os clubes ficariam limitados a gastar apenas dentro do limite das suas receitas anuais.

Um sistema similar já existe tanto na League One (terceira divisão) quanto na League Two (quarta divisão), mas não existe na Championship (segunda divisão) e nem na Premier League. O problema é que as duas entidades ainda discordam sobre o pagamento paraquedas até nisso: os clubes rebaixados poderiam tratar esses pagamentos como receitas e, portanto, ter esse teto de gastos maior? Enquanto a Premier League acha que os pagamentos devem entrar como receita, a EFL acha que os pagamentos não deveriam contar como receita, em termos de Fair Play Financeiro.

Apesar das divergências, é esperado que as duas entidades cheguem a um acordo, possivelmente ainda nesta semana. Estão marcadas reuniões entre os representantes das duas ligas e o Comitê do Parlamento tem encorajado que eles continuem negociando até chegarem a um acordo.

“Pedimos às autoridades do futebol, incluindo a Premier League, a EFL e a FA, que cheguem urgentemente a um acordo sobre a divisão de uma proporção maior de receitas com os clubes da pirâmide do futebol antes do estabelecimento (do regulador)”, diz o texto do Comitê.

“Se não houver sinais imediatos de progresso na divisão de receitas, o governo deve acelerar os seus planos para estabelecer o Regulador Independente com o poder de impor uma solução”, continua.

Por fim, mas não menos importante, o Comitê quer que o governo estabeleça exigências mais altas para o clube ter participação dos torcedores do que atualmente as ligas exigem. Além disso, pede que haja um foco maior em igualdade, diversidade e inclusão — todas questões importantes que ainda são pouco discutidas no futebol, ainda mais nesse nível.

É um passo gigantesco para o futebol inglês e europeu e que o Parlamento, seja pelo lado dos Conservadores, seja pelo lado dos Trabalhistas, concordam que é preciso agir para proteger o futebol e ter maior controle e transparência sobre o que acontece dentro dele. O futebol é uma indústria que pode ser muito importante para a economia, gerar postos de trabalho e arrecadação com impostos, tudo muito importante.

A sua maior importância, porém, é como parte da cultura do país e um patrimônio imaterial dos torcedores. Depois do que aconteceu com a tentativa de Superliga, ficou claro para todos que era preciso tomar medidas para prevenir que os bilionários donos de clube façam o que quiserem sem prestar contar ou qualquer regulação com quem torna o futebol o que ele é: os torcedores.


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