O desequilíbrio de gênero na tecnologia


Victória Navarro
26 de fevereiro de 2024 – 6h00

Toda empresa é — ou está se tornando — de tecnologia. Seja ao criar um site, usar um sistema de pagamento digital ou implementar um chatbot habilitado para inteligência artificial, as organizações estão intensificando seus envolvimentos com a ciência e a engenharia. E à medida que o conjunto de instrumentos, métodos e técnicas que visam solucionar problemas evolui, muitas passaram a sentir a necessidade de reequilibrar a lacuna de gênero, já que a diversidade está, diretamente, associada a uma boa condução da inovação e ao aumento de ações na bolsa.

Para além do desempenho dos negócios

Times mais diversos são mais criativos e possuem uma mentalidade de inovação até cinco vezes maior do que equipes menos igualitárias — de acordo com pesquisa “Alcançando a igualdade”, executada pela Accenture com colaboradores de 28 mercados entre outubro e novembro de 2019 —, ampliando as perspectivas para solução de adversidades, desenvolvimento de produtos e aumento de diferenciação e competitividade.

Porém, a ampliação do número de mulheres na tecnologia vai muito além do desempenho dos negócios. A iniciativa impacta, por exemplo, nas disparidades salariais — nos Estados Unidos, os salários médios para funções de tecnologia são cerca de duas vezes mais altos do que outros cargos, segundo dados do estudo “Redefinindo a cultura tecnológica”, realizado entre fevereiro e julho de 2019 pela Accenture e Girls Who Code, por meio de entrevistas online com alunos de faculdade, executivos sêniores de recursos humanos e funcionários de tecnologia.

As tecnologias emergentes, explica Flavia Picolo, líder da área de tecnologia para a Accenture na América Latina, aceleram e trazem acessibilidade para as mulheres estudarem, se desenvolverem, darem e receberem coaching e terem como exemplos outras mulheres. “A amplitude e riqueza de conteúdo disponível por meio de plataformas gratuitas é muito maior do que era antes. A inteligência artificial generativa, quando utilizada de forma segura e responsável, ajuda a aproximar as mulheres da tecnologia e a detectar disparidades salariais entre homens e mulheres no processo de recrutamento”, diz. A tecnologia também ajuda a equilibrar a vida pessoal com a profissional, via modelo de trabalho híbrido.

A potência da flexibilidade e do trabalho híbrido

Em nível global, segundo dados são do estudo global “Women @ Work”, da Deloitte, que ouviu 5 mil mulheres distribuídas em dez países a fim de compreender suas experiências no local de trabalho — 500 foram do Brasil —, mais entrevistadas (18%) deixaram seus empregos em 2023 do que em 2020 e 2021 juntos. No Brasil, foram 17%. As brasileiras com alta flexibilidade sobre quando e onde trabalhar planejam ficar mais tempo com seus empregadores do que aquelas sem esse benefício. Na média global, a flexibilidade é um fator decisivo para as mulheres que abandonaram, recentemente, um empregador e para mulheres que estão pensando em deixar o emprego atual. No Brasil, a remuneração e oportunidade de ascensão são fatores decisivos.

Além disso, aquelas que trabalham de forma híbrida, no Brasil, estão relatando menos exclusão, mas piores experiências do que em 2022. Quase 40% das mulheres, ainda, dizem que não têm exposição suficiente aos líderes e quase metade diz que se sente excluída. Em relação ao ano anterior, em 2023, mais mulheres no Brasil que trabalham em ambientes híbridos relatam falta de previsibilidade e flexibilidade, bem como uma falta de clareza sobre as expectativas do empregador.

Na indústria de tecnologia, não é diferente. Apesar das práticas de trabalho no setor serem favoráveis ao modelo híbrido, existem diversos fatores anteriores e estruturais que tornam a inclusão uma realidade distante para muitas mulheres. “Um desses fatores é o acesso de meninas às tecnologias digitais e à educação na área. Um estudo recente da ONU Mulheres e da UIT revela que as meninas têm acesso às tecnologias digitais em idades mais avançadas do que os meninos, frequentemente devido a restrições parentais. As mulheres têm sido sub-representadas em muitos cursos de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM), em comparação com os homens. Como consequência, uma carreira profissional em tecnologia deixa ser uma possibilidade”, diz Aline Vieira, sócia da Deloitte.

É fundamental, aponta a executiva, que sejam implementadas estratégias em níveis individuais, educacionais e institucionais. Isso inclui a exposição a temas tecnológicos na educação desde cedo, desconstrução de estereótipos de gênero, desenvolvimento de políticas institucionais que apoiem a igualdade de gênero e incentivem a participação feminina em cursos STEM, além do engajamento da comunidade na criação de um ambiente que apoie e celebre o talento feminino nessas áreas.


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