“Sinto que faz toda a diferença, não para o Ailton, mas para os povos indígenas, para a diversidade da cultura, para a pluralidade das narrativas que se assentam na Academia. Agora entram algumas dezenas ou centenas de línguas junto comigo”, afirma o ambientalista, filósofo, escritor e pensador indígena, Ailton Krenak em uma entrevista, logo após a confirmação da sua eleição para a Academia Brasileira de Letras (ABL).
No mesmo dia (5) em que a Constituição Federal de 1988 completava 35 anos desde a promulgação, um marco da redemocratização do Brasil após 21 anos do regime militar, o escritor indígena é eleito para a cadeira número 5 da ABL, uma vitória simbólica para os povos originários de todo o Brasil. Com 70 anos e o primeiro representante indígena a ocupar a instituição tradicional, Krenak também é protagonista de feitos e lutas históricas proporcionados por seu ativismo.
Nascido em 1953, Ailton Alves Lacerda Krenak é originário da região do vale do rio Doce, em Minas Gerais, uma área que é o lar do povo Krenak e que tem sofrido as consequências da intensa atividade mineradora por multinacionais há décadas.
O nome “Krenak” traz consigo uma grande carga de significado. Sua origem pode ser decomposta em “kre”, que significa cabeça, e “nak”, que se traduz como terra. O ano de 2015 trouxe uma catástrofe devastadora para os Krenak. A tragédia de Mariana, em Minas Gerais, resultou na destruição completa da fauna e flora ao longo do Rio Doce, atingindo de forma dramática a principal fonte de sustento dos Krenak.
No entanto, essa tragédia foi apenas mais um capítulo em uma longa história de desafios que a comunidade enfrenta desde a chegada dos portugueses às terras brasileiras. Hoje, esses povos são representados por uma comunidade de pouco mais de 600 sobreviventes, que perseveram em sua ocupação ancestral na região.
A partir de 1980, o filósofo começou a se dedicar exclusivamente à cultura e defesa da causa indígena no país. Veja os feitos e reconhecimentos marcantes de Ailton Krenak:
1985 – Núcleo de Cultura Indígena
No ano de 1985, foi estabelecida uma organização não governamental chamada Núcleo de Cultura Indígena, da qual Ailton Krenak participou ativamente. A organização tem como objetivo principal a promoção e valorização da cultura indígena. Através de diversas iniciativas e programas, o Núcleo de Cultura Indígena trabalha para preservar e divulgar a herança cultural dos povos originários.
1987 – Direitos dos povos indígenas na Constituição Federal
A Assembleia Nacional Constituinte de 1987 foi um marco na defesa dos direitos indígenas no Brasil, graças à Emenda Popular da União das Nações Indígenas. Em 4 de setembro de 1987, um discurso histórico mudou o rumo da política indígena na legislatura do Congresso Nacional. Assista ao vídeo aqui.
O porta-voz do Movimento Indígena, Ailton Krenak, fez um pronunciamento contundente que reverberou por todo o país. Com um gesto simbólico de luto demarcado com uma pasta de jenipapo no rosto e um discurso brilhante, Krenak conseguiu mobilizar a opinião pública e os parlamentares na causa dos direitos indígenas. Esse ato decisivo levou à aprovação dos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988.
1988 – União dos Povos Indígenas
Krenak foi um dos fundadores da União dos Povos Indígenas, uma organização criada com o objetivo de representar os interesses dos povos indígenas no cenário nacional. A organização desempenhou um papel crucial na defesa dos direitos indígenas e na promoção de sua cultura e tradições.
No ano seguinte, em 1989, ele participou da formação da Aliança dos Povos da Floresta, movimento cujo objetivo era a demarcação de reservas naturais na Amazônia, onde os povos indígenas poderiam manter sua subsistência econômica através do extrativismo.
2016 – Honoris Causa pela UFJF
A Universidade Federal de Juiz de Fora foi a primeira universidade a outorgar a titulação de Honoris Causa ao líder indígena. “A UFJF avança com um sinal importante para outras universidades, especialmente as públicas, acerca da importância de integrar conhecimentos que não são os dos cânones ocidentais que orientaram até hoje a história brasileira. Diferentes saberes estão sendo integrados como recursos, e isso é fundamental”, disse o escritor em 2016.
2020 – Vencedor do Prêmio Juca Pato
A União Brasileira de Escritores (UBE) anunciou Ailton Krenak como o vencedor do 62º Troféu Juca Pato. O autor do livro “Ideias para adiar o fim do mundo” (2019) concorrido com outros grandes autores na época como Djamila Ribeiro, Eliane Brum, Laurentino Gomes e Maria Valéria Rezende. O Troféu Juca Pato é um reconhecimento ao “Intelectual do Ano”, concedido à personalidade que se destacou em qualquer área do conhecimento e que contribui para o desenvolvimento e prestígio do país, na defesa dos valores democráticos e republicanos, de acordo com a UBE.
2022 – Eleito para a Academia Mineira de Letras
Ailton Krenak foi eleito para ocupar a cadeira de número 24 da Academia Mineira de Letras ao receber 36 dos 39 votos possíveis, consolidando sua posição na academia que estava vaga desde o falecimento do escritor e jornalista Eduardo Almeida Reis. A eleição ocorreu em 2020 na sede da Academia Mineira de Letras, marcando um novo capítulo na história literária de Minas Gerais.
2023 – Primeiro indígena a ocupar a ABL
Agora, a história ganha mais um capítulo. Ailton Krenak foi eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras no dia 5 de outubro de 2023, sendo a primeira personalidade indígena a conquistar uma posição de prestígio na instituição, ocupando a cadeira de n° 5, vaga desde o falecimento de José Murilo de Carvalho.