A evolução da medicina esportiva permite carreiras cada vez mais longas em alto nível no futebol. É mais comum ver craques arrebentando perto dos 40 anos – ou até além disso. Tal mudança no pico físico também faz com que alguns jogadores cheguem ao reconhecimento internacional de forma relativamente tardia. Não é incomum ver estreantes nas seleções de ponta já acima dos 30 anos. Ainda assim, o caso de Roberto Di Maio é especial: em março, ele se tornou o jogador mais velho da história a estrear por uma seleção da Uefa. Tudo bem que a concorrência em San Marino é mais baixa, mas não deixa de ser uma façanha ganhar a primeira convocação aos 40 anos. E ele segue em campo nesta Data Fifa, mesmo depois de completar 41 anos no último mês de setembro.
“Espero que eu possa inspirar as pessoas que me veem com esta paixão e vontade de jogar e treinar duro aos 41 anos. Quero transmitir isso aos mais novos que desejam jogar futebol. No momento, percebo que meu corpo não consegue fazer as coisas que minha mente pede, mas lido com isso. Estou vivendo dia após dia, partida após partida – e amo isso”, comentou Di Maio, em entrevista à BBC nesta semana, antes do duelo contra a Irlanda do Norte pelas eliminatórias da Eurocopa.
Roberto Di Maio nasceu em Nápoles, mas casou-se com uma esposa de San Marino e passou a viver no país incrustrado na Itália. Por conta das exigências da legislação local, o zagueiro precisou esperar completar dez anos de residência e casamento para ganhar a cidadania. E, aberto às convocações bem antes disso, aceitou o chamado quando tinha a permissão jurídica, desde janeiro de 2023. Era uma adição valiosa para os samarineses, até pela experiência do beque em clubes tradicionais do Campeonato Italiano ao longo de sua carreira. São mais de 500 partidas pelas divisões de acesso do Calcio, da Serie B à Serie D.
Di Maio vestiu as camisas de equipes como Lecce, Catanzaro, Rimini e Gubbio, sobretudo na Serie C. Disputou até uma edição da Serie B em 2011/12, com a Nocerina, após conquistar o acesso na terceirona. O beque também passou quatro temporadas no Victor San Marino, um time samarinês que disputa a quarta divisão do Campeonato Italiano. Já nos anos mais recentes, ele concentrou sua carreira no próprio Campeonato Samarinês, por La Fiorita e Cosmos. Conquistou dois títulos da liga local e dois da copa, além de ter sido eleito o melhor jogador do país em 2022. Naturalmente, chegou com moral em sua primeira convocação, em março de 2023. Desde então, disputou seis partidas por San Marino, em cinco delas como titular. Perdeu todas elas, como é comum aos nanicos.
O orgulho em defender San Marino
A dedicação de Di Maio não se restringe ao trabalho semanal no Cosmos, seu clube, ou às convocações para a seleção. O veterano também é funcionário da federação de San Marino. Há alguns anos ele trabalha como treinador nas categorias de base e prepara os jogadores no sub-17. Não à toa, quando ganhou a primeira convocação, teve a chance inclusive de atuar com alguns de seus antigos alunos.
“Fiquei muito orgulhoso por jogar pela seleção de San Marino. Foi um daqueles jogos em que não precisei preparar meu psicológico. Minha adrenalina estava tão alta que poderia ter corrido por duas horas sem parar. Talvez algumas pessoas possam pensar ‘que diabos você está fazendo ao jogar por San Marino, que perde todos os jogos?’. Mas quem diz isso não sabe o que significa o futebol de seleções”, declarou Di Maio, à BBC. “Não fazemos isso por dinheiro, mas pela paixão que temos. Moro aqui há muitos anos, San Marino me adotou e se tornou meu lar”.
O tipo de preparação aos jogos de San Marino é diferente. O time não pensa em vencer as partidas, mas deseja perder pelo menor placar possível. Nem sempre dá certo, mas segurar um 4 a 0 contra a Dinamarca no Estádio Parken soa como um resultado razoável. São amadores encarando destaques da Premier League e atletas com bagagem em Copa do Mundo.
“Mentalmente, nos preparamos para um jogo defensivo e entramos com um espírito diferente. Sem isso, tomaríamos dez gols. Se conseguirmos manter o foco, nos sacrificar e ajudar os outros, podemos ter um resultado positivo. Isso pode ser perder por 4 a 0 para a Dinamarca ou tomar o primeiro gol contra a Eslovênia só com quase 60 minutos”, analisou, citando exemplos da atual campanha nas eliminatórias da Euro 2024. San Marino sofreu seis derrotas em seis rodadas. Sofreu 21 gols e não anotou nenhum.
A situação peculiar de San Marino
Obviamente, a realidade de San Marino é particular para permitir um caso tão incrível como o de Di Maio. É a seleção mais fraca de todo o continente europeu, no 207° lugar no Ranking da Fifa. Os samarineses possuem míseros três empates em mais de 30 anos disputando Eliminatórias da Copa e da Euro, sem uma vitória sequer. Somando todos os jogos oficiais, os alvicelestes conseguiram uma vitória e oito empates em 200 aparições. O solitário triunfo já vai completar 20 anos, num amistoso contra Liechtenstein em 2004.
A população de San Marino é diminuta. O país tem apenas 34 mil habitantes, menor que muitos bairros das maiores cidades brasileiras. O elenco é composto basicamente por jogadores do campeonato local ou de times amadores do futebol italiano. Raros são os samarineses que se profissionalizaram – como o ex-atacante Andy Selva, grande lenda da equipe nacional que fez sucesso por clubes como Spal e Sassuolo, ou então o volante Massimo Bonini, parte da poderosa Juventus nos anos 1980, antes de virar referência da seleção a partir de sua criação nos anos 1990. Roberto Di Maio engrossa essa lista, com uma trajetória que, afinal, inclui partidas por Serie B e C do Campeonato Italiano.
Mal comparando, chegar à equipe nacional de San Marino equivale o mesmo a ser eleito à seleção do campeonato num torneio municipal amador no Brasil, com a diferença que os samarineses são filiados à Uefa e enfrentam alguns dos maiores craques do mundo. Não deixa de ser uma grande oportunidade e Roberto Di Maio consegue o destaque tardio. Independentemente da idade, pode se ver na mesma competição em que figuram Cristiano Ronaldo e Kylian Mbappé. É um sonho que, dentro dessa realidade específica, o veterano consegue cumprir.
Os objetivos de San Marino
San Marino pode ser um saco de pancadas nas competições da Uefa, mas possui um caminho aberto desde a criação da Liga das Nações. O novo torneio oferece confrontos com times de níveis parecidos. Os samarineses somam dois empates e 12 derrotas desde a estreia pela competição, mas o fim do jejum de vitórias parece mais ao alcance.
“Já faz uma eternidade que não vencemos. Os jogadores e a comissão técnica aguardam ansiosamente um momento de alegria para podermos celebrar. Seria grandioso. Nas eliminatórias é difícil, porque jogamos contra times mais fortes e tentamos limitar os danos. Então a expectativa será maior na Liga das Nações, onde enfrentamos times mais próximos de nós. Mesmo que eles sejam superiores, podemos jogar de uma forma diferente”, comenta Di Maio.
O zagueiro também discorda de quem vê San Marino como um “estorvo” nas competições europeias, pela diferença de nível técnico. Embora sejam jogos nada importantes às grandes seleções, ele olha para o outro lado da moeda e destaca o impacto positivo aos nanicos: “Não acho que seja justo tirar o sonho de qualquer nação. Na minha opinião, há sempre uma parte romântica do futebol que não deve ser esquecida. San Marino tem todo o direito de sonhar, como muitas outras pequenas nações, ao enfrentar os grandes países. Eles ainda precisam vencer os jogos em campo para mostrar os campeões que são”.
Por fim, o zagueiro também analisa um cenário favorável na federação de San Marino. Não é que o país poderá disputar uma Copa do Mundo em breve, mas ao menos garante melhores condições: “Precisamos melhorar lentamente para sermos um pouco mais competitivos, pelo menos contra os times mais próximos de nós em tamanho e população. Tentar melhorar de alguma forma jogando amistosos e conseguindo os resultados. Vendo de dentro, estamos fazendo mudanças positivas”. Aos 41 anos, Di Maio vive tudo de perto e contribui decisivamente, agora como exemplo.