Toda política pública precisa ser focalizada. De que serve ao governo oferecer aos cidadãos soluções para problemas que eles não têm? É um desperdício de dinheiro público e do tempo dos seus funcionários.
Por exemplo, ao desenvolver uma política pública para reduzir a mortalidade neonatal é necessário em primeiro lugar identificar quais bebês têm alto risco de morrer. Todos os anos, nascem mais de 2 milhões de bebês no Brasil e não seria possível desenvolver uma nova intervenção de grande impacto na área que atingisse todos os recém-nascidos.
Uma pesquisa publicada em 2021 pelo nosso laboratório da USP, em colaboração com a Universidade Harvard, desenvolveu algoritmos de inteligência artificial (IA) para identificar os 5% recém-nascidos no município de São Paulo com maior risco de morrerem no primeiro mês de vida. Entre esses bebês, estavam 90% daqueles que acabariam de fato indo a óbito. Ou seja, graças ao uso de inteligência artificial, uma nova política pública precisaria focar em apenas 5% dos recém-nascidos para atingir quase todos aqueles que se beneficiariam dessa intervenção.
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A ciência de dados está cada vez mais presente na elaboração de políticas públicas. No terça, 24, foi lançado pelo Ministério da Saúde o livro “Avaliação de Impacto das Políticas de Saúde: Um Guia para o SUS”. Eu tive a oportunidade de escrever o capítulo sobre o uso da inteligência artificial para melhorar a eficiência das políticas públicas, e sobre a atual possibilidade histórica que temos de aplicar novas tecnologias para o avanço da saúde pública brasileira.
A disponibilidade de dados será a chave para que as políticas públicas de precisão se tornem uma realidade. Precisamos ampliar cada vez mais a cultura de dados no serviço público brasileiro, para conseguirmos ir além das coletas independentes e em direção a um sistema integrado que possibilite o acompanhamento dos cidadãos em áreas prioritárias.
Com a existência de um sistema integrado de coleta de dados, será possível desenvolver políticas públicas que identifiquem trajetórias individuais de alto risco com o potencial de serem revertidas com as intervenções adequadas. Algoritmos de inteligência artificial poderão, por exemplo, identificar históricos de pacientes com alta probabilidade de incidência de doenças graves e com isso alertar seu médico na sua próxima consulta.
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Não se trata de um sonho impossível. Todos os residentes dos países nórdicos possuem há décadas um número de identidade pessoal único, atribuído a todos no momento do nascimento ou imigração, o que tem facilitado a integração dos dados de saúde e permitido um grande número de descobertas científicas importantes sobre a incidência de problemas de saúde e sobre os fatores de risco de doenças.
O Brasil tem um sistema de informações de saúde que é referência para vários países do mundo. É preciso complementá-lo com uma integração completa, incluindo o prontuário eletrônico. Chegou o momento das políticas públicas de precisão.