A pecuária de leite desempenha um papel crucial na indústria agropecuária, fornecendo um dos produtos alimentícios mais consumidos em todo o mundo. No entanto, a manutenção de instalações de bovino leiteiro eficiente é uma tarefa complexa, que requer cuidados contínuos. Nesse contexto, a mensuração dos gases nas instalações de bovinos de leite emerge para garantir a saúde tanto dos animais como dos seres humanos, bem como para preservar o meio ambiente.
Na atmosfera de uma instalação de criação de bovinos leiteiros está presente o gás amônia (NH3), que é um subproduto natural da decomposição de resíduos orgânicos, como urina e fezes do gado, e pode ser encontrada em concentrações variadas nas instalações pecuárias. Embora em baixa quantidade a amônia seja inofensiva, altas concentrações desse gás podem ter sérias implicações para a saúde humana e animal, bem como para o ecossistema circundante.
Os impactos da NH3 em relação à saúde humana estão relacionados à exposição a altas concentrações (acima de 20 ppm), que pode causar problemas respiratórios, irritação nas vias aéreas, tosse, falta de ar e até mesmo agravar condições respiratórias pré-existentes, como asma. Já na saúde do gado leiteiro, a amônia pode causar inflamação nas vias respiratórias, diminuição da ingestão de alimentos e, consequentemente, redução na produção de leite. Além disso, o estresse causado pela exposição à NH3 pode tornar os animais mais suscetíveis a doenças e infecções.
A liberação de NH3 no meio ambiente pode ter significativos impactos ambientais. A NH3 é um precursor de poluentes atmosféricos, como partículas finas e aerossóis, que podem contribuir para problemas de qualidade do ar, como a formação de smog (nevoeiro composto por substâncias poluentes) e a ocorrência de deposição ácida. Além disso, a amônia depositada no solo pode contaminar águas subterrâneas e superficiais, afetando a qualidade da água e ecossistemas aquáticos.
Diante deste cenário, torna-se evidente a importância de monitorar a concentração de NH3 nas instalações de gado leiteiro. Baseado nisto, o pesquisador Victor Crespo de Oliveira da Universidade Federal de Viçosa, com a colaboração dos professores Ilda de Fátima Ferreira Tinôco, Flávio Alves Damasceno, Jairo Alexander Osorio Saraz e Felipe Andrés Obando Vega, desenvolveu uma plataforma móvel para o monitoramento da concentração de NH3 e variáveis ambientais (temperatura do ar, umidade relativa e velocidade do ar) no interior de instalações destinadas para o confinamento de gado de leite. Este projeto foi desenvolvido com o apoio financeiro do CNPq, FAPEMIG e da CAPES.
Os pesquisadores destacam que, para realizar a mensuração de NH3 é essencial contar com sistemas de medição robustos e preciso. Esses sistemas de medição podem incluir dispositivos de amostragem, sensores e instrumentos de medição, bem como sistemas para armazenar e gerenciar os dados obtidos. É fundamental que esses equipamentos sejam projetados para resistir às condições adversas que frequentemente são encontradas em ambientes internos de instalações pecuárias, como altos níveis de umidade, presença de material particulado suspenso, gases corrosivos como a amônia e variações significativas de temperatura. Além disso, a precisão e confiabilidade das leituras são requisitos essenciais.
De acordo com o pesquisador Victor Crespo de Oliveira “Quando se trata da medição de amônia, existem diversos modelos de sensores disponíveis, cada um operando com base em princípios de funcionamento específicos. A escolha do tipo de sensor deve ser orientada pelas características do ambiente em que a amônia será avaliada, uma vez que diferentes sensores possuem faixas específicas de medição”.
Dessa forma, seguindo as exigências apresentadas, os pesquisadores buscaram com este projeto desenvolver um equipamento mais barato e acessível aos produtores e demais pesquisadores (Figura 1). Para isso, foram testados diferentes sensores (temperatura, umidade relativa e velocidade do ar e concentração de amônia) de forma a avaliar aqueles com melhores custos-benefícios.
Vale destacar que, os sensores de amônia comercialmente disponíveis possuem um custo elevado, cerca de dois mil reais, e dependendo do modelo e precisão, pode ultrapassar 20 mil reais. Razão pela qual foram testados outros sensores de amônia de baixo custo. Estes sensores de baixo custo podem ser utilizados em projetos eletrônicos, especialmente em conjunto com a plataforma Arduino (que é uma plataforma que possibilita o desenvolvimento de projetos eletrônicos), o que viabiliza a criação de soluções acessíveis e flexíveis para monitorar o ambiente das instalações. Essa abordagem amplia o acesso a tecnologias, beneficiando tanto os produtores quanto a comunidade de pesquisa. A Figura 1 ilustra o equipamento desenvolvido neste projeto.
Figura 1. Equipamento desenvolvido no projeto para medição de concentração de amônia e variáveis ambientais em instalações de confinamento de bovinos leiteiros.
(a) (b)
O equipamento desenvolvido está em fase de teste e avaliação de resultados. Contudo, demonstrou sua capacidade em fornecer medições confiáveis e, o que é igualmente importante, a um custo significativamente menor em comparação com as alternativas comerciais. Isso abre portas para a implementação eficaz de monitoramento ambiental em instalações de confinamento de gado de leite, promovendo a sustentabilidade e a eficiência na produção da cadeia.
Os resultados determinados pelos sensores de amônia avaliados no projeto estão apresentados na Figura 2. Os sensores avaliados (designados como sensor 1, sensor 2 e sensor 3) foram comparados com um equipamento padrão, mundialmente aceito e utilizado em instalações de confinamento animal. Como é possível observar, todos os sensores apresentaram leituras próximas ao equipamento padrão, variando de 0 a 5 ppm durante o horário das 10:00h as 13:00h. Os valores médios de todos os sensores foram próximos, indicando que as leituras dos sensores avaliados foram fidedignas. Contudo, vale ressaltar que, o equipamento desenvolvido ainda se encontra em fase de pesquisa e aperfeiçoamento.
Figura 2. Concentração de amônia determinada por diferentes sensores avaliados no projeto no interior de uma instalação Compost Barn, entre o período das 10:00h às 13:00h.
*Os círculos brancos indicam os valores médios e os losangos pretos representam valores que foram considerados atípicos.
Diante deste cenário, deixaremos algumas dicas para os produtores possam reduzir emissão de amônia em sua propriedade e melhor a qualidade do ar ambiente:
- Ventilação: Garantir uma ventilação adequada nas instalações é crucial para reduzir a concentração de amônia no ambiente. Isso pode ser alcançado por meio da instalação de sistemas de ventilação adequados, como ventiladores e aberturas controladas. Além disso, é de fundamental importância que o projeto de ventilação seja bem planejado, o que inclui o posicionamento e distribuição estratégica de ventiladores para garantir circulação e renovação do ar.
- Separação entre fezes e urina: A separação entre fezes e urina também é uma técnica utilizada para minimizar a volatilização da amônia. Sua eficácia está associada à redução do contato das fezes com urina, proporcionando menores taxas de formação de amônia. Como nas fezes há presença da enzima urease, que quando entra em contato com a ureia presente na urina atua na reação de hidrólise da ureia, a separação das fezes e urina pode assegurar menor liberação de amônia. A separação das excretas pode ser realizada por meio do emprego de técnicas construtivas, como o uso de calhas coletoras, ranhuras e inclinação do piso do corredor de circulação dos animais.
- Nutrição Balanceada dos Animais: A alimentação do gado deve ser cuidadosamente equilibrada para evitar excessos de proteínas que podem resultar na excreção de quantidades excessivas de nitrogênio na urina, contribuindo para a formação de amônia. Esta estratégia apresenta bons resultados, pois os ruminantes são ineficientes na absorção de nitrogênio (N). De acordo com pesquisadores Hristov et al. (2004), em média, os bovinos convertem apenas 25,0% do nitrogênio disponível na alimentação em proteínas no leite, e o restante do nitrogênio (75,0%) é excretado em forma de urina e fezes. Por isso, adotar uma dieta mais controlada evita excesso de proteína na alimentação das vacas, o que reduz a concentração de excretas nitrogenadas e, por consequência, minimiza a volatilização da amônia (HRISTOV et al., 2004).
De modo geral, a preocupação com a emissão de amônia nas instalações de gado leiteiro é importante quando olhamos do ponto da saúde dos animais, da produtividade e da preservação do meio ambiente. A pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias acessíveis, juntamente com práticas de manejo adequadas, são passos essenciais para promover a sustentabilidade e a eficiência na produção de leite, garantindo um futuro mais saudável para a indústria pecuária e para nosso planeta.
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