Ian Graham não se parece com um revolucionário. Ele tem um ar distintamente acadêmico: afável, extremamente inteligente, um pouco desajeitado. Ele não é um vendedor natural. Não gosta de dar entrevistas. A cada 10 minutos, aproximadamente, permite que um senso de humor travesso e excêntrico o domine. Ele sente que isso torna arriscado aparecer em qualquer meio de comunicação.
É difícil de negar, no entanto, que ele é um insurgente bem-sucedido. Há vinte anos, ele foi um dos primeiros a explorar a ideia de que o futebol poderia entender melhor a si mesmo examinando a vasta quantidade de dados produzidos pelos jogadores em cada jogo. Embora não possa ser considerado um pioneiro da área da análise de dados no futebol, Graham ajudou a jogar luz sobre a existência desse universo no esporte.
Ao longo de uma década no Liverpool, ele demonstrou a importância da análise de dados no futebol. Do zero, construiu um departamento de dados que passou a ser considerado um dos mais sofisticados do esporte. Seus sistemas, métodos e percepções transformaram um clube que há muito tempo era um gigante à deriva e em declínio em um farol de inovação.
Existem duas maneiras de avaliar sua influência. A mais simples delas é o padrão do futebol: as vitórias e derrotas. Em seu tempo no Liverpool, o clube foi coroado campeão da Inglaterra —pela primeira vez em 30 anos—, da Europa e do mundo. Chegou à final da Liga dos Campeões, o maior jogo do esporte, três vezes em cinco temporadas.
Mas uma medida melhor, talvez, seja o rastro que ele deixou em vez da trilha que ele abriu. Quando ele se juntou ao Liverpool, em 2012, o fato de uma equipe de elite poder empregar um cientista de verdade —ele possui um doutorado em física de polímeros, mas usa seu título apenas como uma piada— era visto como algo extravagante ou absurdo.
O futebol há muito tempo resistia a estranhos, aqueles que não haviam estabelecido suas credenciais no esporte como jogadores ou treinadores. Os profissionais da bola tinham um desprezo particular por acadêmicos. O esporte ainda se via como muito dinâmico, muito fluído, muito poético para ser reduzido à banalidade dos números. A ideia de um departamento de dados ainda era algo novo em si.
Quando Graham deixou o Liverpool no início deste ano, no entanto, a análise de dados se mostrava uma necessidade para o clube. É amplamente aceito que qualquer clube sério que queira competir nas principais ligas do continente deve consultar essas informações para contratar novos jogadores e avaliar desempenhos.
Quase todas as principais equipes da Europa têm um departamento de análise dados, cada vez mais incluindo especialistas com formação científica. Graham talvez seria perdoado pelo fato de a revolução que ele ajudou a instigar estar completa. Na opinião dele, contudo, ela mal começou.
Gravidade
Para Graham, existem duas razões pelas quais o futebol é mais complexo do que a física teórica. A primeira é que a “ciência exata”, segundo sua própria definição, tem a vantagem de ser limitada por um conjunto de regras incontestáveis. As leis da física são inegociáveis. Partículas se comportam de maneiras previsíveis. Isso não acontece no futebol. “Na física, você não precisa levar em conta que a gravidade funciona um pouco diferente na Alemanha”, disse ele.
A segunda razão é que os esportes de elite não oferecem o “grande luxo” da experimentação controlada. O futebol europeu não opera em condições de laboratório estéreis. Não há oportunidade de formular, testar e modificar uma hipótese. “É muito emocional, muito reativo”, disse Graham. Fãs e executivos exigem gratificação instantânea.
O futuro a longo prazo se estende, no máximo, por cerca de seis semanas. No máximo, até o Natal. A única coisa que ninguém no futebol tem, como regra, é tempo.
Graham atribui grande parte de seu sucesso no Liverpool ao fato de ter tido tempo. Isso, segundo ele, foi o ingrediente-chave no “molho especial” que o clube desenvolveu. “A primeira coisa que disse aos proprietários foi que eles não deveriam esperar notícias minhas durante seis meses”, disse ele. “Isso é quanto tempo levaria para construir todas as estruturas de que precisávamos. Toda vez que havia algo mais urgente, conseguíamos contratar outra pessoa para fazer isso”.
O fato de poucos —se é que algum— outros times terem esse privilégio limita a capacidade do futebol de aproveitar ao máximo os grandes avanços feitos em análises nos últimos anos. Mesmo o Brighton e o Brentford, os dois clubes ingleses que agora atuam como herdeiros do Liverpool na vanguarda do esporte, com suas ascensões de conto de fadas à Premier League impulsionadas por dados, devem acompanhar uma área que está evoluindo em ritmo acelerado.
“Se você olhar para o que as pessoas estão fazendo fora do esporte, pessoas que têm tempo para experimentar coisas novas, muitas vezes é muito mais avançado”, disse Graham. “As ferramentas disponíveis, a tecnologia, os dados são todos muito melhores agora. Se você fosse começar a construir um sistema hoje, teria uma linha de base muito mais alta. Dentro de um clube, você tem que parar de se desenvolver em um certo nível. Há tanto trabalho diário que não há tempo para pesquisa”.
Esse não é o único fator limitante. Os clubes operam em silos distintos: o trabalho que eles fazem com dados é, em grande parte, proprietário. O fato de as equipes não compartilharem conhecimento ou disseminarem as melhores práticas faz sentido no âmbito esportivo. Mas, além de ser antitético no âmbito científico, isso serve para diminuir o impacto potencial dos dados.
As equipes que não tiveram a visão de estarem entre as primeiras a abraçar a análise de dados estão, segundo as estimativas de Graham, “10 anos atrás” em comparação a clubes como Liverpool, Brighton e Brentford. Aqueles que tinham o interesse, mas não os recursos, também estão atrasados. “As equipes que mais poderiam se beneficiar muitas vezes não podem se dar ao luxo de fazer isso, ou, pelo menos, fazer corretamente”, disse ele.
Já se passou quase um ano desde que o homem de 45 anos informou ao Liverpool que seu papel lá havia chegado a “um fim natural”. Trabalhar para o clube que apoiava quando criança era seu “emprego dos sonhos”, mas ele sentia que havia alcançado tudo o que podia. Graham sabia que, pelo menos no ambiente profissional, não conseguiria recomeçar do zero.
Quando a notícia de sua partida iminente se espalhou, ele rapidamente recebeu uma série de ofertas de outras equipes, todas esperando que pudesse fazer por elas o que havia feito pelo Liverpool. Graham não achou a perspectiva atraente. Os sistemas que ele havia projetado para o Liverpool agora eram propriedade intelectual do clube; ele não queria construir algo para outro. “Senti que já tinha feito isso”, disse ele. “Seria loucura trabalhar para apenas um clube novamente”.
Em vez disso, ele concentrou seus esforços em ajudar o futebol como um todo a se tornar um pouco mais inteligente.
Desconhecidos conhecidos
Nos últimos meses, Graham se reuniu com uma sucessão de proprietários e potenciais proprietários de equipes de futebol. Eles são —em grande parte, embora não exclusivamente— americanos extremamente ricos, muitas vezes executivos de empresas de private equity e venture capital, todos eles ansiosos para adquirir para os clubes que compraram ou esperam comprar os serviços da Ludonautics, a empresa que ele fundou após deixar o Liverpool.
O apelo é óbvio. Em um esporte cronicamente carente de tempo, a Ludonautics transmite a sensação de ser um atalho. O currículo de Graham é convincente. O mesmo acontece com o de Michael Edwards, o aclamado diretor esportivo avesso à publicidade que trabalhou com ele no Liverpool e que agora é contratado pela empresa como “consultor esportivo”.
No entanto, a proposta não é que eles possam repetir o sucesso que tiveram no Liverpool; é que eles possam expandi-lo. Graham não precisa mais trabalhar de acordo com as restrições e demandas de uma equipe. Ele pode, em vez disso, usar todo o leque de tecnologia moderna à sua disposição para construir algo novo, melhor, e impulsionar o próximo grande salto do esporte.
Com o tempo, essa evolução pode permitir o que ele considera o “santo graal” da análise: avaliar a importância real de um treinador. “Isso é muito complicado”, disse ele. “Costuma ser confundido com quem têm os melhores jogadores, a melhor equipe. Existem muitos efeitos de segunda ordem. É muito difícil saber exatamente quão bom é qualquer treinador e que tipo de impacto eles têm nos resultados”.
O que mais o impressionou em suas reuniões recentes é o quanto o futebol ainda não sabe sobre si mesmo. Não é apenas que coisas complexas —quanto do desempenho de uma equipe pode ser atribuído à sorte, quanto ela está gastando para cada ponto adquirido— continuam sendo um mistério. Os blocos de construção mais simples também são desconhecidos.
O mais urgente é que, em muitos casos, as equipes não sabem o que deve ser considerado como sucesso. A Ludonautics viu prospectos de venda de equipes em que os valores dos elencos são pouco mais do que estimativas aproximadas. Isso, disse Graham, representa mais do que apenas um truque de venda; tem um efeito tangível e prejudicial.
“Em termos de desempenho, muitas vezes eles não têm uma maneira sistemática de saber quem são e onde estão”, disse ele. “Eles não têm uma noção da força subjacente da equipe. Sem isso, como você sabe onde deveria chegar? Como você sabe se terminar em quinto lugar é bom ou ruim? E como você responsabiliza as pessoas?”.
Na medida em que ele está preocupado, isso é do interesse do esporte como um todo: quanto mais equipes souberem das coisas simples, assim como das complexas, melhor o esporte se torna. “Há uma citação de John Keats sobre Isaac Newton usando o prisma para explicar as cores de um arco-íris”, disse Graham. “Mas saber por que isso acontece não torna um arco-íris menos bonito”.