Por Flávia Marçal e Lucelmo Lacerda*
Se considerarmos que tecnologia social é qualquer técnica, método ou produto surgido da interação entre os conhecimentos popular e científico e que, aplicado a uma determinada situação, traga soluções efetivas para um grupo de pessoas ou comunidades, o Parecer Orientador nº 50 do Conselho Nacional de Educação trouxe uma relevante valorização em relação ao trabalho desenvolvido por famílias e professores.
Denominado pelos autores como “Protocolo de Conduta”, a tecnologia desenvolvida baseou-se na história da ativista pela Inclusão e deputada estadual Andrea Werner. Mãe do Theo, um adolescente com autismo, ela publica desde 2013 um método de apresentação pautado na clareza e rápido acesso a informações sobre seu filho, que é uma pessoa com autismo de nível 3 de suporte.
Baseada em suas necessidades, habilidades e potencialidades, a iniciativa de Andrea tornou-se uma referência para várias famílias e pessoas com autismo. Passou então a ser utilizada por professores como mecanismo para melhor conhecer e incluir estes alunos. Agora, esta tecnologia social pensada e desenvolvida no bojo da comunidade autista, e já adotada em diversas escolas, passa a ser reconhecida pelo CNE e sugerida como instrumento fundamental na educação inclusiva.
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Assim, o Protocolo de Conduta do Estudante contém as informações fundamentais sobre o aluno, como suas habilidades para interagir com pessoas, do que ele gosta ou não, como se comunica, suas dificuldades, os eventuais gatilhos para crises, estratégias de como lidar com comportamentos desafiadores e procedimentos apropriados a seu caso, quando apresentar crises heterolesivas ou autolesivas. Este protocolo também deve mencionar se o estudante toma medicações, informações nutricionais, como alergias ou intolerâncias, entre outras observações pertinentes.
Dessa forma, o protocolo de conduta é fundamental para que a comunidade escolar se comporte de maneira consistente para com o estudante atendido, assim como para garantia de sua integridade e dignidade, reduzindo a probabilidade de risco para o indivíduo e as possibilidades de constrangimento (como eventualmente não se compreender como ele pede para ir ao banheiro ou água, por exemplo).
Este tipo de documento, como mostrado acima, é usualmente feito pela própria família e entregue às escolas, transferindo responsabilidades do Estado às famílias e excluindo de suas vantagens aqueles que não o realizam, por falta de informação ou de recursos.
Por isso, é acertada a decisão do Parecer Orientador nº 50 do CNE ao recomendar que este protocolo seja critério essencial no processo de planejamento educacional do estudante com autismo, garantindo, com segurança, seu direito à autonomia e ao pleno desenvolvimento no ambiente escolar.
É a demonstração clara de que ciência, participação familiar e empoderamento dos profissionais da educação podem fazer toda diferença na inclusão. Valorizar estes conhecimentos produzidos pela comunidade autista é essencial, afinal: nada sobre nós, sem nós!
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Flávia Marçal é advogada, professora da UFRa, Doutora em Ciências Sociais e gestora do Grupo Mundo Azul.
Lucelmo Lacerda é Doutor em Educação, pesquisador de educação inclusiva e autor do livro “Transtorno do Espectro do Autismo: uma brevíssima introdução”.