Bryan Ferry, a voz mais elegante do rock: ‘Ainda estou fazendo um trabalho que amo’


Revelado para o mundo à frente do Roxy Music — grupo da cena inglesa do glam rock do começo dos anos 1970, cujo legado de inovação sonora e visual seria decisivo para o surgimento dos New Romantics nos 80 —, o cantor Bryan Ferry é sem dúvida uma das figuras mais emblemáticas da música pop.

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O mais elegante crooner do rock, a essência do cool com seus ternos e cabelos bem cortados, o eterno playboy cercado de deslumbrantes mulheres (algumas das quais estampavam as capas dos discos da sua banda)… Imagine só a responsabilidade de um ser humano que encarna tal personagem há mais de meio século.

— Ah, eu acho isso muito fácil, basta ser eu mesmo. Às vezes acontece de você ter uma imagem pública que reflete sua personalidade, embora não toda ela — confidencia o astro, em entrevista por Zoom, de seu escritório em Londres, para divulgar “Retrospective: Selected Recordings 1973-2023”, coletânea de 81 faixas dos seus 50 anos de carreira solo (a caixa de vinis e CDs chega às lojas esta sexta).

Aos 79 anos de idade, Brian Ferry diz levar uma vida muito tranquila.

— De dia, trabalho no meu estúdio, e à noite eu gosto de sair para comer, de ir a restaurantes com um amigo ou dois. Gosto de lugares quietos, sem música, onde você pode comer, beber, conversar e simplesmente se afastar de tudo. Não precisa ser nada particularmente glamouroso, porque o que eu gosto mesmo é de trabalhar. O grande segredo da vida é trabalhar e amar o seu trabalho.

O cantor é daqueles que têm achado Londres muito cheia e movimentada, com um trânsito complicado. Aos fins de semana, ele costuma fugir da cidade para o campo. Uma postura até esperada para alguém que, daqui a menos de um ano, completará 80 anos.

— É uma tragédia (risos)! — brinca Ferry. — Eu tenho muita sorte, ainda estou basicamente vivo e fazendo um trabalho que amo. Não posso reclamar, mas, que é meio estranho, é. Quando era jovem, eu costumava pensar que 80 eram uma idade impossível de se chegar. Agora eu penso: bem, são os novos 45!

O cantor Bryan Ferry, em 1974 — Foto: Divulgação/Terry Sims
O cantor Bryan Ferry, em 1974 — Foto: Divulgação/Terry Sims

Para Bryan Ferry, “o lado sério do trabalho” sempre foi o Roxy Music. Os discos solo eram mais uma espécie de diversão. Mas então, ao longo dos anos, analisa ele, “os dois convergiram e se tornaram, na verdade, a mesma coisa”. Seu primeiro álbum solo, “These foolish things”, saiu em 1973, com recriações muito particulares e bem comportadas de canções de outros compositores, de Beatles (“You won’t see me”) a Bob Dylan (“A hard rain’s a-gonna fall”). Um choque para a cena extravagante do glam rock.

— Depois do segundo álbum do Roxy Music, eu só queria fazer algo rápido, que me arejasse a carreira e representasse uma mudança no meu trabalho como compositor com a banda. Eu queria que ele soasse diferente das coisas do Roxy e ele de fato soou diferente. Foi mais imediato, mais direto — conta o cantor. — Esse disco abriu a porta para um público mais amplo e mainstream, que depois veio a descobrir o Roxy Music. De certa forma, a carreira solo foi uma coisa boa. Conheci ótimos músicos, pessoas de diferentes áreas da música, algumas do clássico, outras do jazz e uns solistas realmente bons.

A caixa de CDs “Retrospective: Selected Recordings 1973-2023”, do cantor Bryan Ferry — Foto: Reprodução
A caixa de CDs “Retrospective: Selected Recordings 1973-2023”, do cantor Bryan Ferry — Foto: Reprodução

Ao longo de sua carreira solo, Bryan Ferry gravou canções de vários compositores (“Gosto das minhas próprias músicas, mas também é fascinante pegar uma música de outra pessoa e simplesmente me divertir cantando-a”, diz). Nenhum outro autor, contudo, mereceu dele tanta atenção quanto Bob Dylan, a quem homenageou em 2007 com um álbum inteiro, (“Dylanesque”). Para Ferry, as músicas de Dylan são ótimas para reinterpretações porque “as suas palavras são muito interessantes e as letras, muito bonitas”.

— E especialmente em suas primeiras gravações, o que se tem ali é só voz, violão e gaita, Bob Dylan gravou de uma forma muito simples e direta e deixou o caminho aberto para que outros recriassem suas canções de formas completamente diferentes, talvez com cordas, com uma banda. Havia espaço para experimentos ali — diz. — Lou Reed e John Lennon têm ótimas músicas, mas eu sempre acabo voltando ao Dylan por causa das letras. No disco 5 de “Retrospective”, tem “You belong to me”, uma música linda que eu sempre achei que gravaria um dia e só o fiz recentemente. Então, essa é uma canção nova da coletânea.

Ao contrário de Reed e Lennon, que conheceu bem nos anos 1970, Bryan Ferry nunca se encontrou ou chegou a falar com Dylan.

— Acho que ele gostaria das minhas gravações das músicas dele, mas não tenho tanta certeza — confessa o cantor, soltando uma gargalhada em seguida.

Para o grande público, a carreira solo de Bryan Ferry será sempre lembrada por seu sexto álbum solo, “Boys and girls”, de 1985, que trouxe os imensos sucessos de rádio “Slave to love” e “Don’t stop the dance”, por ele compostos.

— Tenho orgulho desse álbum. Nós o gravamos depois de “Avalon”, um álbum do Roxy Music que fez muito sucesso. Fazer de “Boys and girls” algo à altura dele foi difícil. Lembro de passar um bom tempo tentando fazer “Slave to love” soar bem, acho que trabalhamos em uns dez estúdios diferentes nesse disco até que finalmente conseguimos chegar a um ponto em que eu achasse que estava bom — conta o cantor. — (O engenheiro de som americano) Bob Clearmountain e eu mixamos esse disco. Recentemente, Bob remixou as faixas em Dolby Atmos. Em abril fui para um estúdio em Los Angeles e ouvi algumas dessas faixas, e elas ficaram ainda melhores! É ótimo quando você trabalha com os bons. É como jogar tênis, só melhora o seu jogo. “Slave to love” e “Don’t stop the dance” foram muito importantes para mim, elas alcançaram muitas pessoas em muitos países, sou grato a elas.

Segundo Bryan Ferry, organizar “Retrospective: Selected Recordings 1973-2023” foi uma ideia que surgiu naturalmente uma vez que, alguns anos atrás, ele esteve envolvido nas comemorações dos 50 anos do Roxy Music.

— Senti que era um bom momento para fazer algo, para colocar tudo em ordem em uma caixa — conta. — Temos cinco CDs: um com o material popular, as faixas que as pessoas conhecem; outro com as composições originais; o terceiro disco tem os covers de canções de outros compositores; o quarto é de jazz; e o quinto traz as raridades e algumas faixas inéditas, coisas novas. Há uma variedade de coisas.

‘As pessoas no Brasil amam música’

Em 1995 e 2003, Ferry trouxe ao Brasil os seus shows da carreira solo. Ele diz ter gostado muito “da excitação de São Paulo” e “das belezas do Rio de Janeiro”.

— As pessoas no Brasil amam música — elogia. — Alguns dos trabalhos que fiz tiveram ótimos ritmistas e acho que o público no Brasil aprecia isso. Eles gostam de melodia também, mas o ritmo tem que soar bem, acho que é importante para os discos terem um bom clima. Tive uma boa resposta quando estava tocando no Brasil. Faz muito tempo que fui aí, mas tenho uma forte lembrança de tudo que vivi nessas viagens.

O cantor não tem planos de fazer turnê por enquanto(embora expresse desejo de, quando cair na estrada, apresentar-se novamente na América do Sul). Hoje, ele prefere ficar em estúdio:

— Estou animado com minha própria música (risos), hoje em dia não ouço muita coisa. Quando era jovem, comprando discos pela primeira vez, aos 10 anos ou algo assim, a música teve um impacto enorme sobre mim. Não tenho certeza se os jovens de hoje têm os mesmos sentimentos, se a música é tão poderosa quanto costumava ser para a minha geração. Não sei. Há muita música disponível por aí, mas não sou especialista no que está acontecendo hoje.

Como single (e faixa mais recente, inédita) de “Retrospective: Selected Recordings 1973-2023”, Bryan Ferry lançou no streaming uma de suas últimas criações em estúdio, “Star”, uma faixa de sabor techno, feita em parceria com os produtores Trent Reznor e Atticus Ross (que foram vê-lo num show em Los Angeles) e a amiga Amelia Barratt, pintora e escritora com quem tem trabalhado em um álbum para o ano que vem.

— É bom colaborar com as pessoas certas. Quando era estudante, eu costumava pintar, mas era uma atividade muito solitária, sabe? Trabalhar com música ao longo dos últimos 50 anos tem sido melhor para mim, há sempre outras pessoas com quem dividir as tarefas — diz Ferry, que chegou a ter o mago da música pop Prince (1958-2016) em seu estúdio, pouco antes da morte. — Foi ótimo porque ele veio aqui com sua banda de mulheres, que eram realmente ótimas. Prince era um guitarrista fantástico, dono de uma grande personalidade musical. Não chegamos a conversar muito, éramos duas pessoas meio quietas, mas havia muito respeito, o que é muito importante. Fiquei muito satisfeito com o fato de que ele conhecia o meu trabalho.

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Apesar de dizer-se um “antiquado”, que ainda gosta de discos físicos, em CD ou vinil (“Mas eu entendo toda essa coisa do Spotify e sei por que as pessoas acham isso tudo tão bom, você pensa em Charlie Parker e as músicas dele estão lá, como se fosse mágica”), o cantor diz achar incrível o que se pode fazer hoje em dia na música com computadores.

— Você pode mudar o tom ou o andamento da música quando quiser, mas o sentimento tem que estar lá. É isso que as pessoas querem, é o sentimento. É ótimo quando a letra e a música funcionam bem juntas, mas o sentimento às vezes está além das letras — ensina o inglês.


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