Um em cada dois adultos dos EUA relata sentir solidão, o sofrimento fisiológico que as pessoas experimentam com o isolamento social
Viva a Vida|Brian X. Chen, The New York Times
Durante o último verão do hemisfério norte, Laura Marciano, pesquisadora da Universidade Harvard, entrevistou 500 adolescentes para um estudo ininterrupto que investiga a ligação entre tecnologia e solidão. Os resultados foram impressionantes.
Recrutados com a ajuda de influenciadores do Instagram, ao longo de várias semanas e três vezes por dia os jovens responderam a um questionário sobre suas interações sociais. Mais de 50% disseram que não tinham falado com ninguém na última hora, tanto pessoalmente quanto on-line.
Em outras palavras: embora os adolescentes estivessem de férias da escola e passando bastante tempo em aplicativos de mídia social, a maioria não estava se socializando.
Os americanos agora passam mais tempo sozinhos, têm menos amizades próximas e se sentem mais socialmente distantes de sua comunidade do que há 20 anos. Um em cada dois adultos relata sentir solidão, o sofrimento fisiológico que as pessoas experimentam com o isolamento social. O principal consultor médico dos EUA, o cirurgião geral Vivek Murthy, declarou a solidão como uma epidemia no fim do ano passado.
Desde então, acadêmicos e psicólogos aceleraram pesquisas que buscam saber se a tecnologia está contribuindo para o agravamento do quadro. A ascensão dos smartphones e das redes sociais mudou para sempre as normas sociais sobre como nos comunicamos. As interações de cunho pessoal, como as ligações telefônicas, foram substituídas por mensagens de texto. E, quando as pessoas transmitem sua vida nos vídeos do TikTok e do Instagram, podem não estar representando a si próprias de forma genuína.
“É difícil saber quem está sendo real na internet, e é difícil para as pessoas serem elas mesmas on-line. Essa é uma receita para a solidão”, disse Murthy em uma entrevista. Ele concluiu que a solidão havia se tornado uma epidemia depois de revisar estudos científicos e conversar com estudantes universitários no ano passado.
Nos últimos meses, eu me dediquei a ler artigos de pesquisa e fiz entrevistas com acadêmicos sobre tecnologia e solidão. (Muitos estudos a que tive acesso se concentram em como os mais jovens usam a tecnologia, mas suas conclusões parecem relevantes para entender também como os adultos mais velhos a usam.)
Há um consenso nítido entre os acadêmicos: embora haja poucas provas de que a tecnologia seja responsável direta por tornar as pessoas solitárias (afinal, muita gente saudável e socialmente conectada a usa), existe uma forte correlação entre os dois campos, o que significa que aqueles que relatam se sentir solitários podem estar usando a tecnologia de uma forma que prejudica sua saúde.
Essa correlação se baseia em três comportamentos principais:
– Em aplicativos de mídia social como o Instagram, muitos caem na armadilha de se comparar com os outros e se sentem como que ficando para trás em relação a seus pares.
– Mensagens de texto, de longe a forma mais popular de comunicação digital, podem criar uma barreira para que haja uma conexão autêntica.
– E, talvez sem surpresa, algumas pessoas que se sentem solitárias também têm uma personalidade propensa ao vício – neste caso, vício em streaming de vídeos – que as mantém cada vez mais dentro de casa.
Veja o que saber e o que fazer com a tecnologia que você usa, caso esteja se sentindo solitário.
Os perigos de fazer comparações nas mídias sociais
A pesquisa liderada por Marciano e seus colegas é uma das mais abrangentes sobre tecnologia e solidão até o momento. Trata-se de uma revisão de artigos observando dados de 30 estudos publicados durante a pandemia do coronavírus, todos explorando a relação do uso da tecnologia com a saúde mental de adolescentes.
A maioria dos estudos descobriu que a mídia social está ligada à solidão – especificamente no caso de pessoas que fazem comparações desfavoráveis de si mesmas com outras no ambiente on-line.
É natural que, on-line ou off-line, as pessoas se comparem com as outras, comportamento que os psicólogos chamam de comparação social. Esta, no ambiente on-line, pode se manifestar de maneiras diferentes. Uma delas é contar o número de curtidas, comentários e compartilhamentos que suas postagens recebem em comparação às de seus amigos. Pode ser também comparar seu corpo ao corpo de um influenciador de beleza ou a um atleta fitness. Para os pais, pode ser monitorar o desenvolvimento do seu recém-nascido em comparação ao de outras crianças. Quando as pessoas sentem que estão ficando atrás dos outros na vida, isso pode propiciar o isolamento.
A comparação social nem sempre é ruim. Muitos estudos anteriores mostraram que, em ambientes acadêmicos e locais de trabalho, por exemplo, a comparação com colegas de alto desempenho pode motivar a execução de trabalhos de alta qualidade. Portanto, a solução não é simplesmente pararmos de nos comparar com os outros no ambiente on-line, disse Chia-chen Yang, professora de psicologia educacional na Universidade Estadual de Oklahoma.
Em 2018, Yang liderou um estudo que entrevistou quase 220 calouros universitários sobre o que lhes agradava e o que não apreciavam quando usavam redes sociais como o Instagram, o Facebook e o Twitter.
O estudo concluiu que as interações que causaram mais sofrimento foram comparações de natureza crítica que evocavam inveja, nas quais as pessoas viam outras pessoas como sendo mais populares, se divertindo mais ou parecendo mais bonitas.
As redes sociais só despertaram sentimentos mais positivos entre os alunos que navegavam em postagens on-line de pessoas que compartilhavam informações úteis – por exemplo, as que mostravam um amigo dizendo como conseguir uma bolsa de estudos ou uma ótima oferta em um carro usado.
Potencialmente, esse tipo de postagem serve de inspiração para tomar decisões semelhantes. “Não preciso ver os outros como inimigos. Posso vê-los como informantes que colaboram com minha vida. Esse tipo de comparação não é prejudicial”, afirmou Yang.
Mas comparações de julgamento que induzem à inveja e ao medo de ser um perdedor podem ser potencializadas nas redes sociais, porque os aplicativos são projetados para encorajar as pessoas a competir e buscar validação (ou seja, curtidas e compartilhamentos) de seus seguidores. Por isso, publicam apenas as facetas mais glamorosas de sua vida.
Yang disse que entrevistou alunos que excluíam postagens que não obtivessem certo número de curtidas, porque elas prejudicavam sua autoestima.
Já faz alguns anos que, em resposta à reação de ativistas e pesquisadores aos danos das comparações sociais, a Meta (empresa proprietária do Instagram, do WhatsApp e do Facebook) adicionou controles dentro de seus aplicativos, incluindo uma opção para ocultar o número de curtidas e compartilhamentos de postagens.
Recomendo ativá-la se você se sentir incomodado: nas configurações do aplicativo, role para baixo até “O que você vê” (What you see) e toque em “Contagens de curtidas e compartilhamentos” (Like and share counts) e, assim, ative a configuração que oculta o engajamento.
Um porta-voz da Meta se referiu a uma postagem do blog de Adam Mosseri, chefe do Instagram, em que ele afirmava que as reações a curtidas ocultas eram variadas: “Não ver a contagem de curtidas foi benéfico para alguns e irritante para outros, principalmente porque as pessoas usam a contagem de curtidas para ter uma ideia do que é tendência ou do que é popular. A escolha é de cada um.”
O Instagram também tem uma ferramenta para “favoritar” contas que vão aparecer no topo do seu feed. Isso pode ser útil para focar as pessoas e as contas certas.
Mas o melhor seria fazer uma autorreflexão. “Se você se sente mal consigo mesmo depois de navegar por muitas postagens de mídia social, talvez seja hora de fazer uma pausa por algumas horas ou alguns dias”, recomendou Yang.
Estamos enviando muitas mensagens de texto
Dezenas de estudos revelam que as comunicações digitais de pessoa para pessoa, incluindo mensagens, chamadas telefônicas e videochamadas, estão associadas a efeitos positivos para a saúde mental, incluindo a redução dos sentimentos de solidão. Mas se criou uma dependência excessiva das mensagens de texto.
Já há muitos anos, elas substituíram as chamadas telefônicas como o método de comunicação mais usado em celulares. E essa dependência pode contribuir para a solidão se as pessoas não estiverem se conectando genuinamente umas com as outras.
Uma esmagadora maioria dos adolescentes se comunica principalmente por mensagens de texto. Eles relatam que se sentem conectados com outras pessoas quando estão “na mesma vibe”, de acordo com a pesquisa de Marciano. Disseram também que algumas interações de texto – como um amigo demorando muito a responder a uma mensagem – alimentam a ansiedade e o sentimento de solidão.
Além disso, pouquíssimos adolescentes, cerca de dois por cento, usam videochamadas, informou Marciano. Aí está um problema potencial. É difícil imaginar como as pessoas podem sentir vibrações e autenticidade por meio de mensagens digitadas, que não têm o contexto e as situações sociais que ocorrem nas interações face a face. “Como você pode se sentir na mesma ‘vibe’ de alguém se não se comunica corretamente?”, questionou Marciano.
As pessoas mais solitárias podem optar por mudar para formas mais ricas de comunicação. Se é seu caso, em vez de enviar uma mensagem de texto, considere fazer uma videochamada ou, no mínimo, envie uma curta mensagem de áudio para que um amigo possa ouvir sua voz. E, sempre que possível, aproveite as ferramentas dos aplicativos de redes sociais que ajudam a conhecer pessoalmente os outros.
Murthy lamentou que, ao longo do tempo, a tradição de desejar feliz aniversário a alguém tenha evoluído de um telefonema para uma publicação no mural do Facebook e agora para a abreviação “HBD” (Happy Birthday, em inglês) enviada por mensagem de texto. E acrescentou: “É preciso enfatizar como é poderoso ter alguns momentos de interação autêntica com alguém cuja voz você pode ouvir e cujo rosto você pode ver. Há um benefício tremendo quando somos capazes de aparecer um para o outro.”
Assistir compulsivamente não ajuda
Durante a pandemia, os pesquisadores também se dedicaram a saber se assistir a vídeos compulsivamente, ou assistir a programas em sequência por longos períodos, estava relacionado à solidão.
Uma revisão acadêmica de vários estudos concluiu que adultos que viam programas compulsivamente tendiam a sofrer de depressão, ansiedade e, até certo ponto, solidão.
Marc Potenza, professor de Yale e especialista em dependência química que trabalhou na revisão dos artigos, disse que, embora os estudos sobre assistir compulsivamente se concentrem em aplicativos de streaming, é importante observar que outros tipos de aplicativos, incluindo o TikTok e o reels do Instagram, incentivam um tipo semelhante de visualização ininterrupta.
Pessoas com problemas de saúde mental podem gastar muito tempo assistindo compulsivamente. É um mecanismo de enfrentamento do estresse e de outras emoções negativas. Também há consequências óbvias para a saúde física que podem prejudicar a saúde mental: ficar sedentário por muito tempo, perder o sono e não sair para se relacionar com outras pessoas. “Isso consome muito tempo, aumenta a procrastinação e não contribui para que se abordem outras preocupações, o que pode levar a mais ansiedade”, afirmou Potenza.
Pode parecer bom durante algum tempo, mas provavelmente não está ajudando. Recomendo tomar medidas para desativar recursos que permitem esse comportamento, como a configuração do Netflix de reproduzir automaticamente o programa seguinte. Nas configurações do aplicativo, clique em gerenciar perfis, selecione um perfil e desative “reproduzir automaticamente o próximo episódio” e clique em concluído.
Os reels do TikTok e do Instagram incluem ferramentas de tempo de tela em suas configurações que emitem lembretes sobre quanto tempo você passou rolando as páginas. Mas essas ferramentas parecem ineficazes porque os lembretes são fáceis de ignorar. Sugiro excluir temporariamente os aplicativos quando a rolagem for problemática.
A Netflix não quis comentar. Porta-vozes da Meta e do TikTok declararam que seu aplicativo define automaticamente limites de tempo de tela para adolescentes.
Olhando para o futuro
A relação entre tecnologia e solidão é um alvo em movimento porque a tecnologia e seus usuários estão em constante evolução. Emily Weinstein, cientista social que estudou como os adolescentes usam a tecnologia, disse que, assim como começamos a entender nossa relação com os aplicativos e dispositivos, os mais jovens descobrem outras maneiras de ficar ansiosos on-line e encontram novas saídas para lidar com a solidão.
Segundo ela, um adolescente pode se sentir angustiado caso você comente com menos emojis de foguinho a foto dele do Instagram e ponha mais emojis na foto de outra pessoa. E muitos jovens estão experimentando os chatbots que usam inteligência artificial generativa e substituem amigos humanos por amigos virtuais.
É uma novidade que levanta novas preocupações. “Os adolescentes estão nos dizendo coisas como: ‘Esse robô realmente me escuta – se as pessoas são más e julgam você, as ferramentas de IA Generativa não fazem isso.’ Eu me pergunto aonde tudo isso vai dar”, comentou Weinstein.
Murthy contou que, durante sua turnê de escuta pelo país, visitando vários campi universitários no ano passado, os refeitórios estavam assustadoramente silenciosos, enquanto os alunos digitavam ativamente no celular.
Ele se lembrou de uma conversa marcante com um aluno da Universidade de Washington. “O rapaz disse: ‘Não existe mais a cultura das pessoas que falam umas com as outras; assim, como vamos nos conectar?’ Ele chamou atenção para um ponto: mesmo quando você está indo para a aula, todo mundo está ocupado olhando o celular, e soa inapropriado dizer olá a alguém.”
Os pesquisadores descobriram que tecnologia e solidão estão interligadas, principalmente pela forma que interagimos nas redes sociais, com mensagens de texto e a opção de maratona de séries e filmes.