Por Rebeca Fonseca (estagiária)*
“Ele tinha uma visão humanista que falta em muitas pessoas nos cargos de gestão. Não era só conhecimento. Ele tinha sensibilidade e fez do Sesc um instrumento de diminuição de injustiças e de conscientização.” A afirmação é do professor Antônio Araújo, docente da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e diretor do Teatro da Vertigem, a respeito de Danilo Santos de Miranda, que morreu no domingo, dia 29, aos 80 anos.
O filósofo, cientista social e diretor regional do Serviço Social do Comércio (Sesc) no Estado de São Paulo estava internado desde o início de outubro. Seu velório aconteceu no teatro do Sesc Pompeia, na segunda-feira, dia 30. No cemitério Horto da Paz, nos arredores da capital paulista, ocorreu a cerimônia de cremação no mesmo dia.
Em nota, a Reitoria da USP lamentou a morte de Miranda: “A cultura brasileira perde um defensor incansável e parceiro importante da Universidade na promoção de projetos em várias áreas do conhecimento, com o objetivo de promover a discussão de questões pertinentes ao Brasil e ao mundo e fomentar as artes e o pensamento crítico”.
“Além da tristeza, no velório dele havia um sentimento de gratidão profunda e imensa por toda a sua contribuição para a cultura”, lembra o professor Abílio Tavares, diretor e pesquisador teatral da USP. Para Tavares, o gestor cultural atingiu o patamar de realização dos grandes artistas. “É como se todas aquelas pessoas, naquele aplauso infinito no Sesc Pompeia, na sua despedida, estivessem devolvendo para ele tudo que ele nos deu.”
Desde 1968, Danilo Santos de Miranda se dedicou ao Sesc. Primeiro, como orientador social e, depois, em 1984, escalou o cargo de diretor regional. Esteve à frente das decisões da instituição durante 55 anos. “Danilo teve um aspecto visionário de olhar para a frente, perceber uma série de carências do universo cultural e ter reparado isso com o Sesc”, define Antônio Araújo.
Quando Danilo Santos de Miranda assumiu a direção do Sesc em São Paulo, havia 15 unidades no Estado. Hoje elas são 41. Antes de sua gestão, o Sesc possuía uma vertente mais assistencialista, que valorizava pouco atividades culturais. Segundo Tavares, Miranda elevou o trabalho artístico a uma posição de protagonismo.
Em sua gestão, Miranda estabeleceu parâmetros para a área cultural. O fomento à circulação de obras e a criação de novas possibilidades a artistas e pesquisadores se tornaram o norte de outras instituições culturais, explica Araújo. Além disso, o Sesc é uma referência de administração cultural internacionalmente.
O Sesc não está ligado a nenhuma esfera do governo, mas presta serviços de interesse público. Em 2019, durante o mandato de Jair Bolsonaro (2018-2022), a instituição foi ameaçada com a proposta de corte de 30% no orçamento do Sistema S — formado por nove instituições, dentre elas o Sesc.
Araújo relembra que Danilo Santos de Miranda se posicionou abertamente contra as políticas de Bolsonaro em diferentes momentos. “A gente perde esse gestor com uma visão progressista contra a censura e que teve coragem de se manifestar, o que nem sempre acontece em outras instituições”, lamenta.
O professor identifica uma confluência entre a visão de Miranda e a dos subdiretores das unidades do Sesc. Para ele, é importante ter como meta a manutenção do legado do gestor cultural. “O Danilo conseguiu sedimentar uma visão, então quem quiser vir baratear as coisas vai enfrentar muita resistência da classe artística e do próprio Sesc”, afirma.
Sobre a resistência de Miranda às políticas contrárias à cultura, Tavares declara que “ele era um porto seguro para toda a classe artística e cultural, uma esperança nos momentos de ataque”. O diretor foi também conselheiro de várias entidades, como a Fundação Bienal de São Paulo, o Itaú Cultural, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) e o Museu Paulista da USP. Além disso, o gestor cultural também fez parte do conselho da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP.
Miranda fomentou a cultura de forma geral, mas deu especial apoio aos circuitos de produção e exibição de teatro por uma predileção pessoal. Em 1986, o Centro de Pesquisa Teatral (CPT), associado ao Sesc, foi fundado a partir do Grupo Macunaíma, de Antunes Filho. “Ele acompanhava o movimento teatral de maneira muito próxima. O teatro brasileiro não seria o mesmo sem sua ação”, diz Araújo.
Em nota, o Teatro da USP (Tusp) também declarou seu pesar pela morte do gestor cultural: “Danilo Santos de Miranda fará falta à vida do pensamento entre nós. Numa sociedade onde a falta é a regra, tomar a exemplaridade de sua presença como parâmetro para continuar talvez seja um modo de ir além, no exercício constante de imaginar”.
*Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro