“É um jogo com a pixel art do Super Nintendo e o humor de Crash”, diretor de Devil’s Drizzle fala sobre criação do indie brasileiro de plataforma


O processo criativo de jogos muitas vezes se inspira em clássicos do passado para criar uma experiência que traga, ao mesmo tempo, uma vivência inédita e que também remeta a títulos que marcaram época em diferentes aspectos, seja na jogabilidade, estilo artístico ou história. O game designer Filipe Acosta, criador do jogo indie brasileiro de plataforma Devil’s Drizzle, não esconde que games que marcaram época no Super Nintendo, como Super Mario World, Yoshi’s Island e a trilogia Donkey Country, são algumas das maiores inspirações para seu projeto, mas também cita o “humor bobo” da trilogia Crash Bandicoot de PlayStation 1 como uma referência importante.

Devil’s Drizzle, título que em português poderia ser traduzido como “chuva do diabo” ou “chuva do capeta”, numa referência bem-humorada às chuvas torrenciais que jogador enfrenta na campanha, conta a história de um garoto que perde seu guarda-chuva, que também é seu melhor amigo, em um dia de tempestade. Com uma estética que mescla humor e elementos sombrios, sempre sob a perspectiva de uma criança, Devil’s Drizzle busca ser uma experiência familiar e bem-humorada, mas sem deixar de abordar o próprio sentimento de solidão do menino que protagoniza o jogo e, também por isso, tem tanto apego ao seu guarda-chuva.

O jogo, como o próprio Filipe Acosta aponta, não busca “reinventar a roda”, e sim oferecer a experiência de um jogo de plataforma clássico da geração de 16 bits do Super Nintendo e Mega Drive com melhorias modernas e uma história marcada por surpresas, áreas secretas e quebra-cabeças a serem resolvidos. Os inimigos enfrentados na campanha são tão ameaçadores quanto a imaginação de uma criança pode projetar, e nesse caminho até resgatar seu guarda-chuva, o pequeno protagonsita enfrenta inimigos como a “Bola de Pelo Gigante da Morte”, a “Guarda-Chuva do Mal” e o grande antagonista, Pazuzu, de quem a criança roubou um amuleto e se torna uma das principais ferramentas de gameplay de Devil’s Drizzle.

Em entrevista ao IGN Brasil, Filipe Acosta falou o processo de criação do jogo, inspirações e percalços durante o ciclo de desenvolvimento do jogo, que chega ainda este ano para PC via Steam.

Um garoto sem seu melhor amigo, o guarda-chuva

devil’s drizzle se inspira em clássicos de plataforma da geração de 16 bits

Apesar de citar clássicos do passado como grandes referências, Filipe Acosta destaca que Devil’s Drizzle é, em essência, um jogo mais desafiador em vários aspectos, bebendo também da fonte de outros jogos de plataforma modernos, mas com estética retrô, como o aclamado Celeste. Para ele, o indie brasileiro de plataforma busca recriar com aspectos modernos a experiência de muitos títulos que marcaram época, mas sem perder a própria identidade.

“Eu cresci como um criança dos anos 90, quando os jogos de plataforma do Super Nintendo estavam no seu ápice, com Super Mario World, Yoshi’s Island e toda a trilogia Donkey Kong Country, e minha intenção sempre foi criar um jogo que prestasse homenagem a esses títulos, mas também carregasse elementos modernos”, pontua o game designer.

“Quem jogar o Devil’s Drizzle vai encontrar um jogo típico e clássico de plataforma, e quem cresceu nos anos 90 vai perceber essas semelhanças com os jogos de Super Nintendo. Na temática, porém, ele é um jogo que tem mais aquele humor bobo dos Crash Bandicoots de PlayStation 1. Em relação aos jogos modernos, a grande referência é Celeste, principalmente pelo fato de Devil’s Drizzle ter um aspecto mis desafiador, mas ele não chega a ser tão difícil quanto o Celeste. Outro jogo moderno que também serviu de inspiração foi Pizza Tower, especialmente por ele ter um tipo de humor sarcástico que eu aprecio muito.”

Na temática, Devil’s Drizzle é uma uma jornada sobre companheirismo, imaginação e medo da solidão, ao mesmo tempo que o jogo é repleto de elementos sarcásticos. É nessa mescla entre humor e temas mais sérios que o indie de plataforma mais procura se diferenciar para entregar uma jornada que engaje os jogadores sem perder de vista a diversão. O próprio sarcasmo do jogo brasieiro pega referências de animações infantis repletas de humor e críticas sociais, como Hora de Aventura e Irmão do Jorel.

devil’s drizzle é uma jornada sobre enfrentamento e medo da solidão, mas em abandonar o tom leve

“Devil’s Drizzle conta a história de um menino que está em sua casa e aí pergunta para a mãe se pode ‘brincar lá fora’. A mãe fala que sim, só que diz para tomar ele cuidado porque ‘vai vir uma baita chuva’. A criança, então, pega seu guarda-chuva e sai para brincar, e nisso o guarda-chuva começa a falar com a criança, pois ele é o grande amigo dela. E o jogo mergulha nesse aspecto lúdico. Será que o guarda-chuva fala? Será que é tudo fruto da imaginação do garoto? Porque ele é muito apegado a esse guarda-chuva, eles são “parças”, melhores, como o próprio jogo fala”, pontua o diretor.

“Perder o guarda-chuva numa ventania faz a criança entrar numa busca meio desesperada, pois o menino tem esse medo da solidão, e muitos dos perigos que ele enfrenta são representações desses medos. O que é real? O que é imaginação dele? Nós fazemos essas brincadeiras durante a campanha. O guarda-chuva é a representação de amizade para esse menino, mas enquanto ele sai nessa busca, ele sabe que está longe de casa e pensa na mãe, que certamente está preocupada com o sumiço dele. Nós fazemos esse mergulho na cabeça dele durante a história.”

Ao longo da campanha, Devil’s Drizzle terá momentos que se passam dentro dos sonhos do garoto que protagoniza o jogo, mergulhando em aspectos como o medo da solidão.

“É um game com uma pegada mais sarcástica, mas também sensível. Devil’s Drizzle trata de temas como solidão e o medo de ficar sozinho. Eu peguei isso muito de mim mesmo, de referências a The Office, de um tipo de humor que eu gosto. Abordamos os temas do jogo com profundidade, mas sem perder o humor. Eu contei muito com a ajuda da Lis Welch, que é uma grande escritora sobre o sensível, em toda essa parte do trabalho, e acho que o resultado foi muito satisfatório. Conseguimos criar um jogo leve, divertido, sarcástico, mas que não deixa de tocar em temas sensíveis de uma forma lúdica.”

Filipe Acosta diz que muito do que está presente em Devil’s Drizzle foi inspirado na própria infância do game designer, pois ele próprio diz ter sido uma criança “muito criativa e também solitária”, o que o fazia imaginar maneiras inventivas de se divertir mesmo quando estava sozinho.

“Foi algo que eu trouxe para o jogo, pois eu queria mostrar que é possível se divertir e ser criativo até mesmo em momentos solitários”, comenta.

DEVIL’S drizzle tem grande inspiração na infância do diretor filipe acosta

Em toda a sua proposta de gameplay, Devil’s Drizzle é um jogo de plataforma clássico e fácil de aprender as mecânicas de saltos, dashes (arrancadas) e pulos duplos, mas com um um foco muito grande no jogo de luzes e sombras. Conforme Filipe Acosta relata, o garoto que protagoniza o jogo pegou o amuleto de Pazuzu, um item mágino que pode ser carregado para iluminar os cenários, algo que o próprio game designer classifica como fundamental para a progressão pelos cenários. “Como o jogo se passa num dia de tempestade, muitas vezes o cenário fica 90% escuro. Só que há vários pequenos raios espalhados pelo mapa, e quando a criança consegue coletar um determinado número deles, é capaz de iluminar todo o cenário. É uma mecânica que guia grande parte da experiência do jogo.”

Devil’s Drizzle é um jogo separado por níveis de dificuldade, de modo que o desafio seja adequado ao nível de habilidade de cada jogador. Segundo Filipe, é possível até mesmo passar por um cenário quase totalmente escuro sem coletar os raios, desde os jogadores estejam bastante atentos a algumas pistas visuais que o jogo dá e aos raios que iluminam temporariamente o mapa. Nos níveis mais fáceis, há um número maior de raios para iluminar os ambientes, enquanto nos níveis mais difíceis, esse recurso se torna mais escasso para elevar o desafio. “Se você presta atenção na chuva, nos pingos de água, você consegue ver que naquele determinado ponto está acabando uma plataforma, por exemplo. Vai ter uma silhueta de algo que parece ser uma árvore, e são essas pistas visuais que permitem que os jogadores se orientem até mesmo num ambiente escuro.”

Os jogos de plataforma no mercado independente

Ao falar sobre o mercado independente de jogos, Filipe Acosta aponta que hoje o gênero de plataforma hoje tem bem menos representantes do que outros, como Metroidvanias, RPGs de turno ou ação e roguelites, e esse também foi um motivador para a criação de Devil’s Drizzle. Para ele, fora do campo de franquias já consagradas, como as da Nintendo, tem se tornado cada vez mais difícil alcançar o sucesso em games de plataforma

“Esse foi um gênero que eu cresci jogando, e às vezes sinto falta de mais jogos novos apostando na plataforma. Não é uma crítica a outros desenvolvedores independentes, até porque estamos todos lutando para sobreviver nesse mercado. É só uma constatação de que não é o gênero mais popular mesmo, especialmente quando se é uma IP (propriedade intelectual) nova e independente. Os elementos de plataforma acabaram sendo absorvidos dentro de outros gêneros, mas jogos indies de plataforma puros são mais escassos hoje, e isso também me motivou a criar o Devil’s Drizzle.”

mecânicas de luz e sombras são parte essencial da progresão por cenários em devil’s drizzle

Filipe Acosta também frisa que Devil’s Drizzle também tem uma abordagem mais linear devido ao próprio escopo do projeto, que ele próprio classifica como um “jogo feito com muito coração, mas orçamento limitado”. Nas palavras do game designer, a oferta de jogos com proposta mais linear e direta também é benéfica para contemplar estúdios e projetos menores, com menos desenvolvedores trabalhando e sem dinheiro para criar títulos de grande escala.

“A realidade de um desenvolvedor independente no Brasil não é a mesma de um dev independente no Canadá, nos Estados Unidos ou na Europa, por exemplo. A nossa campanha no Kickstarter arrecadou pouco mais de 5 mil dólares canadenses (cerca de R$ 20 mil na cotação atual), um dinheiro que foi imprescindível para criarmos o jogo. Acho que usamos os nossos os recursos, que não eram muitos, da melhor forma possível, polindo o jogo e entregando um projeto que pode parecer simples na proposta, mas que focou na diversão em primeiro lugar e em entregar um jogo com uma pixel art muito bonita e muito detalhada, assim como eram os jogos de plataforma que eu cresci jogando na minha infância”, conclui Filipe.


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