Como o mundo se apropriou e ressignificou a arte da América pré-colombiana nos tempos modernos? É essa resposta que busca dar a exposição “Antes da América – Fontes Originárias na Cultura Moderna”, em cartaz na Fundação Juan March, em Madri, na Espanha.
Com cerca de 300 artistas modernos e contemporâneos e quase 700 obras, a mostra traça em quatro blocos cronológicos as formas como aquela cultura antiga, colorida e geométrica dos maias, incas, astecas e demais povos originários do continente se transformou em matéria-prima dos mais diversos objetos, desde quadros e esculturas a arquitetura e objetos domésticos.
Muitos dos trabalhos são latino-americanos, incluindo brasileiros, mas há espaço para a América do Norte e a Europa, uma vez que a arte pré-colombiana não ficou restrita ao continente. Ao contrário, ganhou o mundo, como atesta, por exemplo, um quadro de serpentes do mestre da pop art Roy Lichtenstein.
Segundo o curador Rodrigo Gutiérrez Viñuales, “a proposta subjacente é ampla, não apenas pelo espaço e tempo que abrange, mas também do ponto de vista conceitual”.
“Parafraseando André Breton, propõe estabelecer ‘vasos comunicantes’ entre diversos lugares e tempos. Aspira estabelecer conexões entre objetos, ideias, movimentos e outros fatores, que originalmente operaram de forma às vezes isolada, e encontrar novos significados em um contexto mais amplo.”
Aberta na última sexta (6), “Antes da América” segue gratuitamente até 10 de março na fundação. A Juan March, inclusive tem um histórico de exibições brasileiras. Já houve mostras exclusivas de Tarsila do Amaral, em 2009, Lina Bo Bardi, em 2018, e agora prepara-se uma de Burle Marx para o início de 2026.
A mostra atual começa com o bloco “Registro e Reinterpretação” (1790-1910), no qual os visitantes das culturas pré-colombianas se esforçam mais em copiar edificações ou desenhar ídolos, de um ponto de vista arqueológico, como se fossem naturalistas registrando a flora de um mundo distante.
A segunda parte, “Reinterpretação e Identidade” (1910-1940), utiliza a linguagem e o repertório das antigas civilizações para construir algo novo, especialmente de uso cotidiano, como têxteis, móveis, utensílios para a casa, cerâmicas e mesmo as primeiras capas de livros e anúncios publicitários.
“Identidade e Invenção” (1940-1970) apresenta a escola de Joaquín Torres García, importante artista uruguaio que, junto de seus vários discípulos, experimenta várias simbioses entre as formas geométricas pré-colombianas e as linguagens de vanguarda.
O último salão, além de dois anexos em pisos inferiores, traz “Invenção e Conceitualismos” (1970-2023), um apanhado dos últimos que inclui projetos estéticos em pintura, escultura, desenho, trabalho gráfico, arquitetura, cinema, fotografia, cerâmica, instalações, videoarte, têxteis e outros objetos.
“O fim da exposição significa regressar ao início: ao tempo de expedições do século 19, a coleção de objetos, sua diáspora além das próprias fronteiras e sua descontextualização”, anota o catálogo da mostra. “Esse retorno é possível graças a uma montagem em que cerâmicas e outros objetos contemporâneos coexistem com peças antigas que fizeram parte desse processo. Algumas das criações atuais questionam essas práticas e as denunciam, reconectando-se com a proposta do início. Através da inventividade e de propostas conceitualistas baseadas na arte pré-colombiana, os artistas de hoje garantem o futuro do passado.”