Ferramenta do iOS 18 coloca em risco modelo de negócio do jornalismo


Com o lançamento do iOS 18, os dispositivos da Apple passaram a ter uma nova funcionalidade que permite ao usuário ocultar anúncios durante a navegação na internet. A ferramenta, chamada Controle de Distração, coloca em risco modelos de negócios que dependem da publicidade na internet.

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Segundo especialistas, a mudança ameaça a sustentabilidade do jornalismo, além de afetar criadores de conteúdo, e-commerce e publicações independentes. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) já começou a fazer testes para avaliar o impacto que o bloqueador de anúncios terá para o setor.

—É extremamente preocupante e não é a primeira vez que a Apple simplesmente vira as costas para o modelo de sustentabilidade do jornalismo — diz o presidente-executivo da ANJ, Marcelo Rech, que lembra que a empresa cobra um percentual do valor de assinaturas feitas pela loja de aplicativo Apple Store.

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Em um botão no Safari, o usuário que ativa o recurso opta por eliminar da página da web anúncios, banners e pop-ups que não quer ver. Se outras páginas do mesmo site tiverem os mesmos itens, eles são ocultados automaticamente.

“É extremamente preocupante e não é a primeira vez que a Apple simplesmente vira as costas para o modelo de sustentabilidade do jornalismo” – Marcelo Rech, presidente-executivo da ANJ

A ferramenta faz parte do pacote de mudanças promovido pela empresa no iOS 18, atualização do sistema operacional que roda os aparelhos da Apple, e que foi lançada globalmente há duas semanas.

A preocupação é que a receita da publicidade digital que sustenta sites na internet encolha. Rech diz que o bloqueador pode significar “retirar uma parte do que sustenta os sites de jornalismo, que é a publicidade”. Em diversos sites abertos, que não cobram assinatura, 100% da receita vem da publicidade, lembra ele, enquanto outros veículos se mantêm de forma híbrida, com assinatura e anúncios.

Afeta publicidade digital

Testes feitos pelo GLOBO com o recurso mostram que, além dos anúncios, é possível também derrubar o paywall dos sites de jornalismo quando eles estão no front-end do site (quando é carregado diretamente no navegador). O paywall é a barreira que os sites de notícias e outros tipos de conteúdo on-line usam para garantir conteúdo exclusivo aos assinantes.

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Para Rech, a derrubada do paywall é equivalente a uma “fraude contra um produto”. Segundo ele, a ANJ irá seguir com os testes para avaliar o alcance do bloqueador da Apple para retirar as barreiras de conteúdo.

— É a mesma coisa que fazer um gato de internet ou ter um aparelho que pirateia a televisão por assinatura — avalia ele, que acrescenta que o sistema pode gerar o efeito de encarecer as assinaturas e restringir o conteúdo jornalístico gratuito.

Procurada pelo GLOBO, a Apple não comentou o assunto. A empresa vem trabalhando na ferramenta pelo menos desde o início do ano. As primeiras informações de que a dona do iPhone testava o bloqueador de anúncios começaram a circular em abril na mídia especializada dos Estados Unidos.

Em maio, grupos de jornais britânicos alertaram a empresa que a ferramenta poderia colocar em risco a sustentabilidade financeira do jornalismo, ao suprimir anúncios que são fonte de receita para os veículos.

“O impacto pode ser bem significativo. Sites que dependem de anúncios para gerar receita, como muitos portais de jornalismo, podem ver uma queda drástica em suas receitas” – Rafael Mayrink, CEO da NP Digital Brasil

Em carta enviada à Apple, a News Media Association (NMA), que representa 900 veículos do Reino Unido, como The Guardian e The Times, afirmava que o bloqueador “minava a capacidade dos criadores de conteúdo financiarem seu trabalho de maneira sustentável”.

A entidade argumentou que plataformas on-line como navegadores da web são rotas importantes de acesso ao jornalismo, mas também para os editores “monetizarem seu conteúdo no mercado digital”.

Para Rafael Mayrink, CEO da NP Digital Brasil, agência de pesquisa e desempenho, o recurso pode gerar efeitos para “todo o ecossistema de publicidade digital”. Ele diz que o Controle de Distração pode reduzir “drasticamente” os cliques em anúncios, o que afeta diretamente os modelos de custo por clique (CPC) ou custo por mil (CPM), que são métricas usadas pelo mercado para definir a remuneração por cada acesso à publicidade (CPC) ou para quando o anúncio é exibido mil vezes (CPM). Além disso, ele cita o risco de que outros navegadores decidam seguir a iniciativa.

— O impacto pode ser bem significativo. Sites que dependem de anúncios para gerar receita, como muitos portais de jornalismo, podem ver uma queda drástica em suas receitas se os usuários optarem por ocultar banners e anúncios com a nova funcionalidade — avalia o especialista.

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O professor de Marketing Digital da ESPM, João Finamor, ressalta que o mercado da Apple, no Brasil, é voltado para um público de renda mais alta, onde os aparelhos da marca têm maior penetração:

— Se houver aderência dos usuários, isso significa que marcas de luxo ou que busquem um consumidor com poder de consumo maior vão ter mais barreiras para chegar ao público-alvo a partir da mídia programática. É fundamental para muitas empresas — pontua o especialista.


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