Hamas “retirou ensinamentos do conflito na Ucrânia”. Como a tecnologia “mudou completamente” a guerra


Os rebeldes islâmicos atacaram o território israelita empregando tecnologia utilizada pelas forças ucranianas. Israel reagiu às ofensivas deste fim de semana “à moda clássica”

“A guerra mudou completamente” na sequência do conflito na Ucrânia – e os ataques do Hamas contra Israel são a prova disso mesmo, assinala o major-general Agostinho Costa à CNN Portugal, argumentando que os rebeldes islâmicos “retiraram ensinamentos da guerra que neste momento está a decorrer na Ucrânia”.

Quando, em fevereiro de 2022, as forças russas irromperam pelo território ucraniano, nada fazia prever que a resistência ucraniana se mantivesse até aos dias de hoje, a avaliar pelo desequilíbrio das capacidades militares entre Moscovo e Kiev. Essa discrepância notava-se, desde logo, no número de efetivos: enquanto as forças armadas da Rússia contavam com 900 mil efetivos operacionais e dois milhões na reserva, a Ucrânia tinha 196 mil efetivos e 900 mil reservistas.

Mais de um ano depois, as forças ucranianas continuam a resistir. Na perspetiva do major-general Isidro de Morais Pereira, esta resistência é só mais um exemplo entre “muitos dos conflitos no passado” em que “o fraco acaba por vencer o forte”, apontando como exemplo a Guerra do Vietname, quando “o todo poderoso exército norte-americano” se retirou do país asiático.

Isto deve-se essencialmente à motivação das forças, no caso, das ucranianas, e não tanto pelo poderio militar, explica Isidro de Morais Pereira. “É que o potencial de guerra de um Estado ou coligação de Estados é sempre o produto das forças morais pelas forças materiais. O exército americano acabou por se desmoralizar, acabou  por deixar de ter o apoio da população norte-americana, e as forças do Vietname, na altura, utilizavam as técnicas próprias das guerras do fraco contra o forte”, completa o especialista militar.

A tecnologia no teatro de operações

Para o major-general Agostinho Costa, há um outro fator que está a “fazer a diferença” no campo de batalha e que ganhou destaque com o conflito na Ucrânia: os avanços tecnológicos no teatro de operações, assentes numa “uma ubiquidade de meios de vigilância, de sensores, de observação em toda a extensão do teatro, desde satélites até drones, que permitem a ambas as partes, tanto ucranianos como russos, terem uma perfeita noção do que se passa no terreno, de forma instantânea e permanente, permitindo que que é observável, passa a ser atacável.”

No conflito entre russos e ucranianos, “vemos uma proliferação de armas de precisão, as chamadas munições inteligentes”, que vão desde os “drones mais básicos, conduzidos por alguém que tem um sistema de realidade virtual a alguns quilómetros”, até às chamadas “loitering munitions [drones kamikaze], que os Estados Unidos disponibilizaram à Ucrânia” e os drones Tekever e Bayraktar. “Isto faz com que qualquer viatura russa ou ucraniana que se prepara para entrar em combate seja imediatamente atacada ou por munições de artilharia inteligentes ou por drones”, acrescenta.

“Portanto, as tecnologias impõem a mudança das formas de combate e condicionam a tática. Ter um novo meio que dá uma maior vantagem em termos operacionais permite depois ajustar a forma de combate”, argumenta Agostinho Costa, explicando que foi isso que aconteceu durante a Primeira Guerra Mundial, com o aparecimento da metralhadora nos campos de batalha.

“Israel ainda não deu o salto para este novo tipo de guerra”

Ora, segundo o major-general Agostinho Costa, o Hamas “já começou a empregar este tipo de meios”, nomeadamente de drones, ao contrário do exército israelita, que “ainda não deu o salto para este novo tipo de guerra”, apesar de ter acesso a algum do melhor equipamento que os EUA podem fornecer.

“Da parte israelita, vemos ainda concentrações de forças à moda clássica, e isso vê-se com a preparação dos veículos militares todos alinhados uns ao lado dos outros, muito perto da fronteira [com Gaza]. Alguns analistas dizem que se os israelitas estivessem no teatro de operações da Ucrânia não duravam um dia”, nota o especialista militar.

No fim de semana passado, depois dos ataques do Hamas, a Força Aérea israelita perguntou se a Alemanha poderia disponibilizar dois drones de combate fabricados em Israel para a sua resposta militar contra os rebeldes islâmicos. Na quinta-feira, o Ministério da Defesa alemão deu ‘luz verde’ para o envio de dois drones Heron TP.  “A Bundeswehr (Forças Armadas) está atualmente a alugar cinco drones deste tipo que são utilizados principalmente para o treino de soldados alemães”, que decorre em Israel, especificou o ministério, em comunicado citado pela revista Spiegel.

A CNN Internacional analisou dezenas de fotos e vídeos de militantes do Hamas durante o ataque surpresa para identificar as armas utilizadas pelos rebeldes islâmicos nos ataques contra Israel que mataram pelo menos 1.200 pessoas Nessas imagens, é possível observar uma metralhadora DShK, de fabrico soviético e calibre .50, montada numa carrinha, bem como uma AK-47, descrita pelos militares como uma arma letal, de fácil acesso e manuseamento.

Vários especialistas sugerem que algumas das AK-47 são provavelmente velhas armas soviéticas que foram deixadas para trás durante a invasão do Afeganistão na década de 1980. Outras podem ser velhas armas chinesas ou podem ter vindo do Iraque, onde Saddam Hussein comprou AK-47 aos milhares.

O grupo armado utilizou também rockets Qassam, de fabrico próprio, e granadas, bem como drones e bulldozers.

O Hamas só conseguiu dar este ‘salto tecnológico’ no campo de batalha devido ao apoio do Irão, afirma Agostinho Costa. “Em certa medida, o Hamas plasma muitos dos procedimentos do Irão”, argumenta, dando como exemplo o facto de os rebeldes islâmicos armazenarem todo o seu material de guerra em túneis subterrâneos, à semelhança do Irão, que “tem toda a sua panóplia de guerra debaixo do chão”.

Os rebeldes islâmicos do Hamas também replicaram alguns procedimentos das forças ucranianas, indica o major-general, apontando que os militares do movimento islâmico, quando se infiltraram em Israel, “fizeram uma matriz semelhante à ofensiva de Kharkiv”. “Antes de entrarem nos apartamentos, destruíram os meios de vigilância e os meios de defesa, utilizando drones FVP”, exemplifica.

“Portanto, retiraram ensinamentos da guerra que neste momento está a decorrer na Ucrânia”, resume Agostinho Costa.


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