Havoc queria ser jogador de futebol, mas virou joia do Valorant com pandemia


Contratação do time de Valorant da FURIA, Ilan “havoc” sonhava em ser jogador de futebol, como tantos outros meninos brasileiros, e treinou muito anos para isso. A pandemia de Covid-19, porém, o tirou das quadras e o colocou em frente ao computador, com o qual o jovem, hoje com 17 anos, se transformou em uma das maiores promessas do Valorant brasileiro.

Pandemia mudou havoc: “Passei a gostar mais do computador do que do futebol”

Apesar do status de talento em ascensão por conta das ótimas atuações pela The Union no Valorant Challengers Brasil (VCB) em 2023, havoc chama atenção há muito tempo. Ele é considerado uma joia desde quando não tinha nem idade suficiente para participar dos campeonatos oficiais, restritos a maiores de 16 anos.

Havoc, jogador de Valorant, com uniforme da FURIA — Foto: Divulgação/FURIA
1 de 3
Havoc, jogador de Valorant, com uniforme da FURIA — Foto: Divulgação/FURIA

Havoc, jogador de Valorant, com uniforme da FURIA — Foto: Divulgação/FURIA

Havoc começou no Valorant ainda na fase de testes do game, lançado oficialmente em junho de 2020, aos 14 anos. E já com uma veia competitiva pulsante – herança do espírito competidor com a bola nos pés e da facilidade com games que o acompanharam desde a infância, por influência dos dois irmãos, que, ao contrário dos pais, o incentivaram desde o início na carreira de esports.

— O Valorant, eu sabia que era o meu jogo. Eu sabia desde o começo que estava jogando. Desde o começo, eu estava no alto nível — cravou havoc ao ge, em uma entrevista em que, durante 1h15, contou a história de sua curta, mas promissora vida.

Começando nos esports, havoc sonha em ser médico: “Ajudar as pessoas”

Uma vida que, nos esports, ainda está no início, mas que já tem planos traçados para o futuro.

— Eu tenho o sonho, e vou concluí-lo, de ser médico. Meus dois irmãos são da área da saúde: um é dentista e o outro é médico veterinário em formação. Eu gosto bastante da área da saúde e, com certeza, quero me formar em Medicina. Sempre gostei de ajudar as pessoas e quero ser cirurgião.

Havoc com os dois irmãos, o pai e a mãe — Foto: Arquivo pessoal
2 de 3
Havoc com os dois irmãos, o pai e a mãe — Foto: Arquivo pessoal

Havoc com os dois irmãos, o pai e a mãe — Foto: Arquivo pessoal

Futsal e games

Nascido em Fortaleza (CE), havoc teve uma infância ligada ao futebol. Começou a treinar futsal aos 6 anos em uma escolinha chamada Falcões da Vila, localizada perto de onde morava, no bairro de Aldeota, junto da mãe, do pai, dos dois irmãos e da avó paterna. Um primo também residia lá antes de se mudar.

Não se tratava apenas de uma atividade física. Era um esporte que o jovem levava a sério, com treinos todos os dias e campeonatos a disputar. Ele chegou a vencer torneios importantes do Ceará, como Lifec e LFA.

— Eu gostava muito de fazer aquilo e era o que eu queria para minha vida inteira — relembrou havoc, que treinou futsal até os 14 anos.

Quando estava para fazer teste na divisão de base do Fortaleza e mudar para os gramados, veio a pandemia. Foi nesse momento do necessário isolamento social que o jogador deixou o futsal de lado e focou somente nos games, que já eram uma realidade em casa, ao longo da infância e da adolescência, por causa dos irmãos, de 27 e 28 anos.

— Quando eu não estava jogando bola, estava no computador, porque meus dois irmãos, o Ian e o Ícaro, sempre gostaram de computador e eu, como sou o caçula, ficava do lado deles perturbando para jogar. Era um computador para três pessoas, a gente dividia o horário, só que entre os dois, eu não tinha prioridade. Eu jogava quando ninguém estava jogando. Só que eu jogava por hobby. Só por diversão.

Havoc jogando no computador quando criança — Foto: Arquivo pessoal
3 de 3
Havoc jogando no computador quando criança — Foto: Arquivo pessoal

Havoc jogando no computador quando criança — Foto: Arquivo pessoal

Por conta do futsal e dos games, havoc admite que não era dedicado à escola. Ele repetiu duas vezes, nos 3º e 7º anos do Ensino Fundamental, e parou os estudos no 9º ano, antes de iniciar o Ensino Médio.

— Na escola eu sempre fui um menino muito agitado. Eu ia bastante para a coordenação. Eu realmente não gostava de estudar.

— Eu só ia para a escola para jogar bola, porque era meu vício. Jogar bola e computador. Eu não conseguia me concentrar e focar para estudar. Eu sempre queria estar brincando e estar no computador. Só que eu me arrependo bastante disso. Agora eu entendo que é aquele lugar que era para eu frequentar com bastante concentração.

Pandemia e mudança de planos

Com a pandemia e o sonho de ser jogador de futebol interrompido, os games, que antes eram só diversão, se tornaram uma oportunidade profissional.

— Se minha mente mudou por conta da pandemia, realmente mudou. Eu passei a gostar mais do computador do que do futebol. Porque não tinha aula. Era o dia inteiro no computador, dormindo 6 ou 7 horas da manhã. Todos os dias.

Duas semanas depois de começar a jogar Valorant, o único computador da casa de havoc quebrou. Sem poder jogar, ele passou as semanas seguintes no celular assistindo a vídeos do novo game.

— Gostei bastante da mecânica do jogo. Era tipo um CS com habilidades do LoL.

Percebendo que havoc estava disposto a seguir uma carreira profissional, os dois irmãos dele compraram novas peças para consertar o computador.

— Quando eles fizeram isso, eu entendi que eles apoiavam o que eu estava fazendo. Eu só agradeci bastante e disse que iria recompensá-los. Quando eu disse que iria recompensá-los, o Valorant se tornou uma prioridade para mim.

Havoc lembra de impedimento de jogar com 14 anos: “Fiquei bastante triste”

Valorant, uma prioridade

De primeiro ranque, havoc logo pegou Imortal 3, o nível mais alto que é possível alcançar de início, antes de se chegar ao Radiante, o maior do Valorant, que o jovem conseguiu poucos dias depois.

— Eu sempre estava com a galera era muito boa no jogo e aprendia.

Desde o início havoc já jogava campeonatos, mas não pôde disputar os oficiais porque, conforme as regras da Riot Games, era necessário ter 16 anos ou mais.

Ele contou que estava pronto para jogar o circuito oficial com amigos do CrossFire, Bryan “pANcada”, hoje na norte-americana Sentinels, dentre eles, e que, por isso, a regra veio como um balde de água fria.

— Eu não podia jogar, porque tinha 14 anos na época. Os moleques ficaram sabendo disso e ficaram totalmente tristes e decepcionados. Eu também fiquei bastante triste. Só que eu disse que aquilo não iria me abalar. Eu iria jogar do mesmo jeito. Iria continuar jogando o jogo e iria esperar minha oportunidade de mostrar — prometeu.

— Quando eu estava com esses moleques lá, já era algo totalmente mais competitivo. Jogava de oito a dez horas por dia. Eu literalmente não saía nem de casa, que era o que eu mais gostava de fazer para jogar bola. Eu não saía porque estava muito viciado e queria isso para minha vida.

Com 15 anos, “eu sabia que queria virar profissional de Valorant”, diz havoc

Destaque precoce

Mesmo tão novo, com 14 anos, havoc já se destacava em meio a jogadores mais velhos, que tinham experiência competitiva de outros First-Person Shooter (FPS), como CS:GO, CrossFire e Point Blank.

— Fui sempre o mais novo e a galera me tratava como o mais novo. Não que eu era muito folgado, mas gostava de estar lá. Sempre queria saber o que eles estavam falando e como eles se portavam dentro do jogo.

Com 15 anos, havoc já era apontado pela comunidade como uma joia a ser lapidada, o que o incentivou ainda mais a continuar treinando e se preparando para a carreira.

— Tentaram até brigar com a Riot para baixar a idade para jogar, só que não deu. Foi quando eu completei 15 anos que eu soube o que queria para a minha vida. Eu sabia que queria virar profissional de Valorant.

Em 2022, ao completar 16 anos e ser liberado para participar dos campeonatos oficiais, havoc quase chegou ao VCB. A Renegados, pela qual o jogador atuou, disputou o classificatório final que dava vaga na Repescagem para a Etapa 2.

— Eu lembro como se fosse hoje. Quando a gente perdeu, eu não apresentei nenhum índice de tristeza. Fiquei muito feliz que consegui chegar até ali. Eu não tinha conhecimento competitivo e já estava no mesmo alto nível que os caras do ‘tier 2’ do Brasil.

Os resultados mais expressivos não tardaram a vir. Com o time DIRETOR1A, havoc venceu a Liga Gamers Club Série A de junho e ficou com o vice do Ultimasters AOC #3, com contrato já assinado com a The Union, que se tornaria, na temporada seguinte, a equipe que o levaria ao sucesso.

Havoc explica dominância da The Union no Brasil e diz que “caiu a ficha” com título

Início da carreira profissional

A estreia pela The Union ocorreu no 3º/4º lugar da edição de julho da Liga Gamers Club Série A. Foi a partir dali que havoc virou profissional, recebendo salário para competir.

— Foi quando começou tudo começou, quando eu me senti confortável em fazer aquilo, quando eu tive o apoio da minha família inteira. Foi quando eu assinei com The Union que eles viram que eu estava recebendo para jogar.

Depois da experiência de jogar de Fortaleza, com 60 de ping, havoc atuou presencialmente no Ultimasters AOC #3, quando conheceu os companheiros de time, e se mudou para São Paulo para a temporada 2023, já que a The Union conseguiu uma das vagas no VCB por meio do classificatório fechado, depois da conquista da Liga Gamers Club Série A de agosto.

— Eu estava muito ‘hypado’ [empolgado], com adrenalina a mil. Queria fazer aquilo mais que tudo, esquecia de responder até minha mãe e meus irmãos — contou havoc, que era muito apegado à família e sentiu falta dela no período em São Paulo.

Depois de uma conversa profunda com o treinador Pedro “peu”, que havoc enche de elogios como um dos maiores responsáveis pelo seu bem sucedido início de carreira, a tristeza pela distância de casa deu lugar ao sentimento de orgulho por competir em alto nível no VCB.

— Foi algo bastante gratificante para mim. Eu gostei muito. Eu sempre joguei em casa não com intuito de ser um jogador profissional. Foi naturalmente. Não tive que me forçar aquilo e, quando vi, estava lá. Mas não caiu a ficha. Caiu a ficha mesmo quando a gente foi campeão brasileiro. Aí eu posso dizer que eu estava sentindo tudo aquilo que eu estava de expectativa na minha cabeça — comentou havoc, relembrando do título da Etapa 1, na qual o jovem brilhou.

— Foi incrível que eu estava com a galera que eu mais queria estar naquele momento. Meu time era incrível. A The Union foi a melhor experiência que eu tinha que ter como primeiro time. Serão moleques que eu vou levar para minha vida inteira.

Segundo havoc, o time deu muito certo porque os jogadores estavam todos “na mesma página”.

— Eles me proporcionaram muitas coisas boas e me fizeram aprender muitas coisas, não só no pessoal, como dentro de jogo.

Havoc relembra afastamento da The Union: “Eu estava muito triste”

Pausa e saída da The Union

Havoc deixou o elenco titular da The Union em meio à fase classificatória da Etapa 2 do VCB por “questões pessoais”, segundo informou a organização em abril. Ele teve a saída da equipe anunciada em junho.

Falando publicamente em detalhes pela primeira vez sobre o assunto, havoc contou que começou a ter crises de tristeza e ansiedade, deixando de acompanhar os colegas de time em atividades fora de jogo, o que o levou a acreditar que poderia prejudicá-los no campeonato.

— Eu estava com umas crises. Meu psiquiatra disse que era porque eu estava enfurnado no computador 100% [do tempo]. Só que minha rotina nunca era assim. Foi sempre jogando bola, fazendo exercício e academia, saindo, fazendo tudo, só que, naquele momento, eu passei de quatro a cinco meses da minha vida enfurnado no computador e eu não tinha nenhum exercício físico para aliviar o meu estresse. E isso criou uma bola de neve que eu não estava percebendo. Chegou a um momento em que eu estava muito triste. Muito mesmo.

— Eu estava sentindo que não conseguia entregar os 100% para os moleques que estavam entregando 100% para mim. Eu entendi que aquilo iria prejudicá-los de alguma forma, uma hora ou outra.

Ele retornou para Fortaleza para estar ao lado da família, passou pelo psiquiatra e fez três semanas de terapia.

— Fui diagnosticado com nada. Era só algo psicológico — contou, dizendo que estava preparado, depois desse período em casa, para voltar às competições.

Mas uma discordância com a diretoria da The Union sobre a renovação do contrato travou o retorno dele. Havoc classificou que a proposta apresentada pela organização era “desproporcional” em termos de salário e multa por rescisão contratual.

Além disso, havoc admitiu que sabia que seria procurado na janela de transferências por outros clubes e que estar livre de contrato seria melhor.

Havoc: “Eu preciso jogar completamente solto, não quero jogar robotizado”

Procura na janela de transferências

— Eu me sinto muito feliz. Foi um dever de trabalho cumprido o que eu fiz no Brasil para todo mundo de fora ter essa concepção e a galera da franquia me cogitar nos times e me querer dentro. Foi incrível — animou-se, admitindo a dificuldade em escolher para qual das três equipes iria.

— Foi bastante difícil. Eu quero um time que está na mesma página, competitivo e que eu vejo potencial para a vitória — declarou, elogiando o elenco da FURIA.

— É uma galera muito nova e eu tenho certeza que vai absorver muitos dos melhores. Nosso grau de absorção é muito melhor do que o dos cascas dura, cabeça meio dura para entender as coisas.

Depois de jogar online de Fortaleza e morar em São Paulo, havoc se mudará para Los Angeles, nos Estados Unidos, onde o VCT Américas, um dos campeonatos de franquia do Valorant, é disputado.

— Eu vou para lá por trabalho, mas é algo que todo mundo tem interesse em conhecer, que é os Estados Unidos, não é? Eu vou lá com o objetivo de aprender muito. Lá estarão os melhores do mundo. Eu vou querer absorver muito e aprender bastante, porque sou uma pessoa muito nova, eu não sei muita coisa.

— Eu vou para lá com muito esforço e muita dedicação, sempre querendo vencer. O que eu mais quero é vencer. A gente vai ser um time bem forte. Apesar de ter pessoas muito novas, vai ser um time muito experiente. Eu te garanto isso.

Família como motivação e jogo solto como estilo

Questionado sobre por que é tão bom no Valorant, havoc recorreu a dois argumentos: um íntimo, repetindo seguidas vezes que a família é a maior motivação para dar certo nos esports, e o outro técnico, de que faz o básico, mas jogando solto.

— Minha maior motivação, para eu ser tudo isso, é a minha família. É minha base de tudo. Minha mãe e meu pai, eu quero proporcionar tudo para eles o quanto antes.

— Dentro de jogo, eu só preciso fazer o que está ao meu alcance. Não preciso fazer o que está fora do meu alcance. Eu não preciso jogar por dois caras do meu time para a galera ver. Eu só tenho que jogar o que eu estou jogando e treinando com meu time todos os dias e produzir no campeonato. Eu só tenho que fazer o básico perfeito para todo mundo estar na mesma página.

— Minha personalidade dentro de jogo, eu jogo completamente solto. É algo que eu sempre falo em todo o time que eu vou entrar, que eu preciso jogar do jeito que quero. Eu preciso jogar do jeito confortável que quero. Eu não quero jogar robotizado do jeito que o time precisa para ganhar. Certo, existe o jeito que o time precisa para ganhar, só que não pode ser desse jeito, robotizado, prendendo um jogador. Não é algo egocêntrico. É algo que a gente só precisa fazer o básico naturalmente e não precisa fazer aquilo que está fora do seu alcance.

Embora tenha sido um dos destaques da janela de transferências, havoc não se vê como uma estrela.

— Eu não sou a estrela. Eu não penso assim. Estou aqui pelo meu time. Meu time vai ganhar, apesar de tudo. Não estou nem aí se eu vou matar muito ou morrer muito. Só quero que meu time consiga ‘performar’ [desempenhar] da melhor forma.


Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *