Inteligência artificial, colégio real: tecnologia nas salas de aula no Rio


Para acompanhar o mundo lá pelos anos 2050, as pessoas não irão mais precisar de tantos novos produtos e ideias. A reinvenção virá, acima de tudo, da relação da humanidade com os avanços tecnológicos em curso. É assim que o historiador israelense Yuval Noah Harari, grande pensador destes tempos, enxerga o caminhar das sociedades modernas, seu objeto de reflexão no best-seller 21 Lições para o Século 21. Invenções como o ChatGPT, modelo de linguagem calcado na chamada inteligência artificial generativa, são uma contundente amostra de que esse futuro imaginado por Harari já começou. O poder de atração do chat se revelou extraordinário assim que ele foi lançado. E a curiosidade não dá sinais de arrefecer — dez meses depois, o GPT, feito para produzir respostas em todas as áreas do conhecimento (nem sempre com a mesma densidade, mas isso é outra história), registra, a cada mês, mais de 1 bilhão de visitas.

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Rapidamente, a novidade adentrou os vários escaninhos da vida — do universo do trabalho à rotina escolar, onde, a princípio, gerou justificáveis temores. Será que a máquina ficaria a serviço do plágio ou substituiria o tão necessário exercício do pensar? Como ocorre com toda criação desse quilate, muitas perguntas ainda pairam no ar, mas algo é certo: não dá para ignorar sua existência, pelo contrário. Podem-se colher bons frutos ao estudar a fundo tal tecnologia para compreender como ela impulsiona os estudantes na trilha do saber. “Vivemos um momento-chave da história, em que a educação deve abraçar as possibilidades tecnológicas e implantar modelos menos engessados de ensino”, acredita a educadora Patrícia Lins e Silva, fundadora da Escola Parque.

O primeiro desafio que se impõe às escolas é encontrar caminhos para que os alunos não façam uso da máquina para o “copia e cola”, já que ela fornece respostas rápidas e bem embaladas sobre quase tudo. No início do ano, o departamento de educação de Nova York baniu o ChatGPT da sala de aula justamente por temer que a garotada engatasse mais e mais no plágio, como uma turma passou a maciçamente fazer. No Brasil, como em diversas partes do globo, a IA vem sendo empregada de forma experimental e com um propósito louvável para o ensino: ajudar a capturar a atenção dos estudantes imersos em um mundo tão recheado de distrações. “Crianças e adolescentes precisam ser motivadas a participar das atividades, e a tecnologia é um recurso útil nessa direção”, diz Luiz Rafael, coordenador pedagógico do colégio Mopi, que nas aulas de química incentivou as classes a montar um dicionário de emoções cujas moléculas e neurotransmissores foram pesquisados no ChatGPT e em outras plataformas tradicionais de busca.

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Estudos já indicam que a inteligência artificial pode ser boa aliada no processo de aprendizado, mas lançam um providencial alerta: ela jamais deve eliminar o esforço humano, que é único e vital ao desenvolvimento de habilidades e ao acúmulo do conhecimento. No centenário Santo Inácio, alunos do 2º ano do ensino médio se debruçaram sobre um projeto que une IA e meio ambiente. Durante a oficina Steam (sigla em inglês para ciências, tecnologia, engenharia, artes e matemática), os estudantes criaram um dispositivo para monitorar a temperatura em 25 pontos da escola, elaborando um mapa de calor de uso prático. Através dele, será possível, por exemplo, reparar se alguém esqueceu um aparelho de ar-condicionado ligado, evitando o desperdício. “Foi muito interessante discutir a autoria do trabalho. A conclusão é que a plataforma dá respostas prontas, mas é totalmente dependente da maneira como é provocada pela inteligência humana”, lembra o professor Charles Esteves Lima, à frente do laboratório.

Conceitos como diversidade e inclusão também podem ser trazidos à sala de aula com um empurrãozinho da tecnologia. Na Eleva, alunos do 7º ano do ensino fundamental treinaram a Teachable Machine, do Google, para reconhecer materiais recicláveis, indicando a melhor forma de descartá-los. “A tecnologia não veio para preencher espaços vazios nas escolas. É essencial que essas ferramentas tenham um propósito pedagógico”, pondera Victor Alves, gerente de tecnologia educacional e sistemas do grupo Inspired, dono da escola com unidades em Botafogo e na Barra. “Foi curioso perceber que estudantes e professores foram perdendo o medo de lidar com a inteligência artificial”, recorda.

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Em Brasília, tramita no Senado um projeto de lei para criar o marco regulatório da IA no país. O texto, porém, não contempla os modelos generativos, como o ChatGPT, o que evidencia a dificuldade de seguir a evolução digital, que se dá a passos muito mais ligeiros do que a capacidade de impor regras a essas tecnologias para zelar por seu bom funcionamento. A esta altura, para educadores está cada vez mais claro que não se trata de uma ameaça, mas de algo que pode ser favorável à aquisição do saber, um aliado no permanente exercício dos neurônios. Na rede A a Z, um chatbot para auxiliar nos estudos, batizado de Azelha, está em plena fase de testes. A ideia é que também ajude os mestres na preparação de aulas cujos ingredientes despertem a atenção dos alunos, como já ocorre em outros países. “Nessa nova configuração, os professores se tornam ainda mais relevantes, ao guiar os estudantes na complexa tarefa de distinguir a boa da má informação”, ressalta o consultor pedagógico do Laboratório de Inteligência de Vida Saulo Pereira. São os primeiros passos neste admirável mundo novo, no qual, com o bom uso da inteligência — a artificial e a humana —, o ensino tem tudo para sair ganhando.

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