Mostra no Museu Histórico da Cidade traça paralelo entre o passado e futuro do Rio com obras de acervo e contemporâneas


Existe uma cidade que reúne, em cerca de 1.200 km², uma cadeia de riquezas naturais e uma urbanização avassaladora — por vezes, caótica — além de um povo retratado mundo afora como carnavalesco, mesmo diante de dificuldades. Em “Rio de corpo e alma”, exposição que abre hoje no casarão do Museu Histórico da Cidade, na Gávea, a energia pulsante da capital fluminense é apresentada por meio dessas diversas facetas, da paisagem às manifestações culturais.

A mostra é parte de uma celebração em torno dos 460 anos do Rio, ficando aberta até 9 de março, mês em que se comemora o aniversário da cidade. Mas não apenas artistas cariocas — Andre Arruda, Andréa Hygino, Marcella Araujo e Márcia Falcão — foram convidados para a festa. A exposição reunirá ainda trabalhos de Agrippina R. Manhattan, Julie Brasil, Patrizia D’Angello, Pedro Varela, Rafa Bqueer e Zé Carlos Garcia — nomes que, de alguma forma, passaram a ter relação com a cidade.

A convite da curadora Isabel Portella, os criadores escolheram peças do acervo do museu (com cerca de 24 mil itens) para refletir sobre as transformações e o cotidiano da capital ao longo do tempo. Assim, obras contemporâneas aparecem lado a lado com objetos históricos.

— O que temos nesta exposição é um olhar de hoje sobre a cidade, com artistas contemporâneos, a partir dos objetos do acervo, que são revisitados por meio de um diálogo. Existe alguma relação entre as peças — explica Portella, que também é museóloga e trabalhou com o acervo tempos atrás. — Para o visitante, isso não só revela um conhecimento do acervo, permitindo que obras que não estão à mostra possam ser vistas, mas também traz uma representação diversa desses artistas sobre o Rio.

'Feira de Madureira', de Márcia Falcão — Foto: Divulgação
‘Feira de Madureira’, de Márcia Falcão — Foto: Divulgação

‘Colagem louca’

Dialogando com a tela “O bloco chegou”, de Francisco Acquarone, Márcia Falcão busca trazer o colorido de Madureira para a mostra. Em sua “colagem louca”, como ela descreve “Feira de Madureira”, a artista faz referências às tradicionais escolas de samba, ao Mercadão e à favela, inserindo ainda cenas de garotas tomando banho de sol, idosos bebendo cerveja na rua, o trem na linha de ferro e uma sereia dentro de um plástico.

— Embora seja uma obra centrada em Madureira, não fica presa a temáticas comuns, do samba. A obra vai além, com uma multiplicidade de encontros, de pessoas. É uma colagem do bairro que ajuda a representar toda a cidade — diz a pintora sobre a obra livremente inspirada no tríptico “O jardim das delícias terrenas”, de Hieronymus Bosch. — O trabalho é uma lembrança visual da minha infância, poesia particular que vivi.

'Chegada de D. João à Igreja do Rosário' (1937), de Armando Vianna — Foto: Divulgação
‘Chegada de D. João à Igreja do Rosário’ (1937), de Armando Vianna — Foto: Divulgação

Além da obra de Acquarone, a conhecida tela “Chegada de D. João à Igreja do Rosário”, de Armando Vianna, também está na mostra, assim como desenhos de Naval e fotos do carnaval dos anos 1960 e de um banquete de 700 talheres realizado no Automóvel Clube em 1933.

Entretanto, como nem tudo é festa, a vida da classe operária — parte dela moradora de cidades no entorno — também é lembrada em “Rio de corpo e alma”. A artista Agrippina R. Manhattan escolheu uma gravura que mostra a construção de um túnel no século XIX, em paralelo com uma litogravura sua acerca de um atalho criado pela própria população de São Gonçalo, município fluminense onde nasceu e cresceu.

— Meu trabalho está dentro de uma mostra sobre a cidade do Rio, mas não se refere exatamente a ela. Para mim, falar sobre as periferias em volta ajuda a discutir essa metrópole. O ir e voltar para a capital para fins de trabalho e estudo é uma rotina que muitas pessoas vivem e conhecer a vida desses personagens também é preciso — diz Agrippina.

Litogravura de Agrippina R. Manhattan reflete cotidiano em São Gonçalo — Foto: Divulgação
Litogravura de Agrippina R. Manhattan reflete cotidiano em São Gonçalo — Foto: Divulgação

Outra artista presente na exposição, a guatemalteca Julie Brasil, que veio para o país aos 10 anos, se debruça sobre “as grandes pedras” (ou morros) da cidade. A ideia por trás de sua série de grafites é verificar transformações na paisagem a partir de registros da década de 1940, como uma mudança visual ocorrida em Copacabana, bairro que tinha a Pedra do Inhangá se estendendo até a Avenida Atlântica, mas que teve boa parte demolida ao longo do último século.

Já cenários como a vista para o Corcovado, a partir do Jardim Botânico, parecem intocados, com árvores e canteiros diversos.

— Um museu precisa dialogar com a sociedade. É preciso dessa oxigenação com diálogos entre passado e presente para que tenhamos um olhar pensante sobre o futuro — diz ela.


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