No dia 20 de outubro de 2023 o PS5 recebe seu próximo grande lançamento exclusivo: Marvel’s Spider-Man 2, a continuação do game baseado no herói aracnídeo mais famoso do mundo. Feito pela Insomniac, o primeiro título fez um sucesso tão grande que resultou até na Sony comprando o estúdio por trás de seu desenvolvimento.
A sequência era mais do que esperada – ainda mais com o teaser de que teríamos o incrivelmente popular Venom como antagonista. Assim como o herói se balançando pelo prédios de Nova York, a hype para o próximo jogo do Homem-Aranha está nas alturas, mas nem sempre as coisas foram tão otimistas para o amigão da vizinhança no mundo do videogame.
No artigo da vez vamos relembrar momentos marcantes do miranha nos jogos, falar um pouco de suas histórias e sua relação com o PlayStation!
Uma breve história do Homem-Aranha
Como manda o costume, o artigo começa com uma rápida contextualização – neste caso, uma história resumida do famoso teioso. Evidentemente, não estou falando da história ficcional do nerd que foi mordido pela aranha turbinada e ficou viciado em responsabilidade. Essa, todo mundo conhece. Quero falar da história que levou à criação do personagem.
No início dos anos 60, super-heróis como Batman e Superman já faziam sucesso nos quadrinhos, incentivando a criação de vários outros personagens um tanto parecidos conforme o mercado e a procura pelo formato cresciam.
Um roteirista, no entanto, enxergava naquela época a oportunidade de fazer seu nome trazendo uma mudança importante para o formato – que ele julgava imensamente necessária. Os heróis que faziam sucesso nos anos 60 eram um tanto unidimensionais, figuras perfeitas e infalíveis, imaginados para o leitor admirar e enaltecer, não necessariamente se imaginar no lugar deles.
Mas esse roteirista em questão queria fazer exatamente isso. Ele queria trazer humanidade aos heróis, imaginá-los tão reais quanto seus amigos. O profissional iria completar 40 anos em 1962, mas seu coração era jovem, e continuou jovem até seus últimos dias. É claro que estou falando de Stanley Martin Lieber, muito mais conhecido como Stan Lee.
“Eu tentei torná-los personagens de carne e osso com personalidades, algo que não deveria ser considerado radical”, declarou o autor em uma entrevista ao Washington Post em 1992. “É isso que qualquer história deveria ter, mas os quadrinhos não faziam isso até aquele momento, eles eram todos recortes de papelão. Torne-os reais, deem-lhes personalidade. Deem-lhes problemas.”
Lee já estava ensaiando seu modo de escrever histórias com o Quarteto Fantástico, que teve sua estreia em novembro de 1961. Mas o autor queria fazer algo para leitores mais jovens, os adolescentes que começavam a buscar os quadrinhos e não tinham ainda um super-herói para chamar de seu.
Em parceria com Jack Kirby para o roteiro e Steve Ditko para as artes, nascia o Homem-Aranha, balançando pela primeira vez nas páginas da revista Amazing Fantasy, número 15, em agosto de 1962.
Curiosamente, essa foi a última edição da revista, que tinha acabado de ser cancelada. Lee chegou a comentar que acredita que só conseguiu a aprovação de publicar o herói porque a revista já estava com os dias contados.
Mas todos sabemos o sucesso que o herói teve. A última Amazing Fantasy foi uma das revistas mais vendidas da história da recém-estabelecida Marvel.
A editora não voltou atrás na decisão de cancelar a Amazing Fantasy, mas decidiu resgatar o Homem-Aranha, que ganhou sua própria revista em março do ano seguinte, 1963, quando chegou às bancas a primeira edição de The Amazing Spider-Man. A revista chegou a se tornar a série mais vendida da Marvel.
A história do aracnídeo fora dos quadrinhos é extremamente interessante e tem muito mais para se falar. Mas nosso foco aqui são os jogos, então vamos saltar 20 anos na linha do tempo e falar de quando Peter Parker finalmente começou a tecer suas teias no mundo do videogame.
Saltando para os jogos
Seria difícil de superestimar a importância do Atari 2600 na história do videogame. A popularização dos cartuchos de jogos nos consoles domésticos expandiu muito a variedade do que era oferecido aos jogadores, então foi nessa época que nosso aracnídeo preferido se balançou para os games pela primeira vez.
Em 1982 era lançado no Atari o primeiro jogo do Homem-Aranha, que levava apenas o nome do herói, em inglês: Spider-Man. No game, o Duende Verde escapa da prisão e ameaça explodir o Empire State, então vai caber ao super-herói escalar o prédio, esquivando de perigos e ameaças, até encontrar e derrotar seu arqui-inimigo.
O jogo não foi muito bem recebido, sendo considerado uma versão pior de Crazy Climber, que já tinha feito sucesso dois anos antes. Mas nem por isso encerraria a carreira do teioso na mídia interativa. Na verdade, muito pelo contrário – a Wikipédia lista quase 40 jogos protagonizados pelo herói. É quase um jogo por ano desde seu primeiro lançamento até os dias de hoje.
Evidente que não posso detalhar uma lista tão grande de jogos neste artigo, mas vale a pena citar mais alguns exemplos curiosos.
Logo em seu segundo game, em 1984, Peter Parker se aventurou em Questprobe, uma série de jogos de aventura que a Marvel fez com diversos de seus personagens. O game envolve puzzles que o jogador resolve digitando frases para descobrir as ações aceitas pelo game.
Outro lugar inusitado que o bom e velho miranha foi parar foi The Revenge of Shinobi, em 1989. Esse jogo já não é tão antigo e muitos dos leitores com mais de 30 devem se lembrar do clássico para o Mega Drive. O Homem-Aranha, junto com o Batman e até o Sylvester Stallone aparecem como chefes no game.
“Eu fiz alguns rascunhos de personagens da minha cabeça e de algumas fotos devido à minha falta de habilidade para desenhar”, explicou Noriyoshi Ohba, diretor do jogo. “Eles deveriam ser usados como um exemplo geral. Infelizmente, o designer dos sprites reproduziu meus rascunhos um pouco fielmente demais e vocês sabem o resultado.”
Por mais interessantes que sejam essas curiosidades, vamos avançar no tempo e falar um pouco dos jogos mais recentes, porque temos mais informações sobre eles – e sobre seus níveis variados de sucesso. Mas antes, precisamos falar da relação da Sony com o aracnídeo.
Uma nova vizinhança
Talvez seja difícil para os mais jovens imaginar a gigantesca Marvel de hoje em dia à beira da falência, mas era exatamente essa a realidade da editora na segunda metade dos anos 90.
Os heróis mais conhecidos da marca, como o Homem-Aranha, Quarteto Fantástico e X-Men, nunca deixaram de fazer sucesso, mas seus esforços não eram suficientes para manter toda a companhia. Em 1996 a editora entrava num processo de falência.
Na melhor demonstração possível do ditado “vão os anéis, ficam os dedos”, a Marvel decidiu que poderia escapar de falir por completo se emplacasse alguns acordos de licenciamento para adaptações de seus personagens mais famosos. Muita gente que conhece essa história atribui o imenso boom dos filmes de heróis ao Homem-Aranha de Sam Raimi, mas primeiro veio Blade.
A Marvel ainda não estava pronta para abrir mão de seus principais personagens, e primeiro precisava testar a ideia, para ter mais moedas de barganha no licenciamento dos nomes maiores. A empresa decidiu então fazer um acordo para levar um personagem bem desconhecido aos cinemas, o meio-vampiro Eric Brooks. A New Line Cinema encarou o desafio.
Contratando Wesley Snipes como protagonista, um dos grandes nomes dos filmes de ação dos anos 90, Blade conseguiu alcançar um sucesso considerável e, principalmente, realizar sua missão: o interesse pelas licenças da Marvel cresceu, e a empresa escaparia da falência fazendo esses acordos.
A Sony, no entanto, não é apenas uma New Line Cinema. O gigantesco estúdio não se contentaria em apenas uma licença de um dos heróis da Marvel, não. A empresa queria comprar de vez os direitos para O herói da Marvel, o mais popular deles – o Homem-Aranha. E a empresa conseguiu, em 1998, por apenas US$ 7 milhões.
Uma anedota interessante é que a Sony teve a oportunidade de comprar basicamente metade do MCU na época do acordo para o amigão da vizinhança. Tentando conseguir mais dinheiro na transação de seu herói mais popular, a Marvel colocou o Homem de Ferro, Thor, Pantera Negra e Homem Formiga em um pacote de US$ 25 milhões. Segundo um executivo da Sony envolvido com o acordo na época, Yair Landau, seus chefes teriam respondido: “Ninguém dá a mínima para os outros personagens da Marvel. Volta lá e faça um acordo só para o Homem-Aranha”.
O resto da história vocês sabem. O filme dos X-Men chegou no ano 2000 ainda surfando no momento começado por Blade, e o primeiro filme do Peter Parker, dirigido pelo Sam Raimi, explodiu as bilheterias em 2002. Foram mais de US$ 800 milhões em renda ao redor do mundo.
Os leitores da minha geração vão se lembrar que o sucesso da versão Tobey Maguire do Peter Parker era tanto que a Sony até adotou a fonte usada nos filmes do Homem-Aranha para a logo da primeira versão do PlayStation 3, quando o console chegou em 2006.
E é por causa dessa história toda que o Marvel’s Spider-Man do PS4 e sua continuação no PS5 são jogos exclusivos, correto? Errado. Os direitos que a Sony adquiriu para o Homem-Aranha são referentes apenas para adaptações do herói nos cinemas e nada têm a ver com os videogames. Muitos de vocês vão se lembrar que entre os anos 2000 e 2014 os jogos do Pedro Estacionador eram produzidos pela Activision.
A licença da gigantesca produtora de CoD venceu em 2014, e como os últimos jogos feitos pela companhia não foram lá um grande sucesso – em grande parte por uma política mal-sucedida da Activision de querer aproximar seus jogos licenciados dos filmes no cinema – a Marvel decidiu buscar uma nova parceira para produzir o próximo jogo do Aranha.
É de se imaginar que a amizade entre Marvel e Sony que permitiu o “empréstimo” do personagem ao MCU teve algo a ver com manter essa parceria nos jogos. De todo modo, com a aquisição da Insomniac Games pela Sony, certamente essa versão do Homem-Aranha nos jogos não vai deixar de ser um jogo PlayStation Studios.
Os altos e baixos do Peter Parker
O trecho anterior do artigo ficou um pouco extenso e falamos pouco dos jogos, mas acredito que oferece um contexto importante para avaliarmos os sucessos e fracassos dos jogos mais recentes do Homem-Aranha ao longo dos anos, e sua relação com a divulgação nos cinemas e parceria com a Sony.
O primeiro destaque deste trecho vai para o primeiríssimo jogo produzido pela longa amizade entre Marvel e Activision. Simplesmente Spider-Man, lançado originalmente no PlayStation e no N64 no ano 2000, depois portado para o Dreamcast e PC no ano seguinte.
O jogo foi desenvolvido pela Neversoft, famosa pelo seu trabalho com Tony Hawk’s Pro Skater na época. O port do título para o Dreamcast foi feito pela Treyarch – algo para se manter em mente.
No geral o game foi muito bem recebido, com um número considerável de vendas e uma média de 87 no PlayStation, segundo o Metacritic.
O jogo teve uma continuação, Spider-Man 2: Enter Electro, lançada em 2001 apenas no PSOne. O jogo não conseguiu emplacar o mesmo sucesso de seu antecessor, talvez em parte porque o foco já estava no PS2, que chegou no ano 2000. O título marcou o último lançamento de teia na primeira geração do PlayStation.
Logo em 2002 tivemos o lançamento de Spider-Man no PS2, sem subtítulo ou nada que o diferencie do primeiro jogo no console anterior. Mas a Activision quis usar somente esse nome novamente porque o jogo era uma adaptação da aventura de Peter Parker que as multidões estavam assistindo nos cinemas. Além do PS2, o jogo também saiu no GameCube, Xbox e PC.
As reviews para o game foram boas, não ótimas, mas o sucesso do filme garantiu um excelente número de vendas. O jogo chegou a aparecer em 15º lugar numa lista dos jogos mais vendidos da geração, na revista Next Generation.
O título foi feito pela Treyarch, antes da desenvolvedora ficar presa no limbo de CoD para sempre. O sucesso do primeiro jogo e do primeiro filme garantiu uma continuação, Spider-Man 2, lançada em 2004.
O segundo jogo adaptava o segundo filme e também foi feito pela Treyarch. Ele saiu nas mesmas plataformas do anterior, mas ganhou adaptações também para o Nintendo DS, PSP e até para o Nokia N-Gage.
Pessoalmente, lembro com carinho desse jogo, e pra mim foi o melhor game do Homem-Aranha por anos. A média das reviews é positiva nos consoles, e um tanto desastrosa no PC. A popularidade do personagem e do game anterior garantiram um bom número de vendas em diversas das plataformas onde o título saiu.
Vamos precisar saltar alguns títulos para este trecho do artigo não ficar longo demais. A Activision tentou manter um ritmo quase anual de lançamentos de jogos do Homem-Aranha, garantindo também um terceiro game baseado no terceiro filme. Foi a partir daí, com o hiato do miranha nos cinemas, que a produtora começou a arriscar em obras mais originais.
Em 2008 saía Spider-Man: Web of Shadows, em diversas plataformas. Esse é um título marcante para a série porque o primeiro “pós-filmes” e o último em que a Treyarch trabalhou. Este foi o ano em que a desenvolvedora foi condenada às masmorras do Call of Duty e está presa lá até hoje.
Web of Shadows ficou com médias abaixo dos 70 no Metacritic e não teve vendas muito impressionantes. É um título bem inovador e um tanto diferenciado na longa história do aracnídeo nos games, então conquistou seus fãs, mas do ponto de vista comercial não é considerado um sucesso.
Depois tivemos Shattered Dimensions, em 2010, o primeiro título com a desenvolvedora Beenox no comando. O estúdio já trabalhava em alguns dos ports do Perter Parker ao longo dos anos, e agora assumia a posição que foi da Treyarch.
O game se saiu um pouco melhor do que seu antecessor, mas foi sucedido por Edge of Time, que saiu logo no ano seguinte e tentou imitar a fórmula anterior, mas fracassou, conquistando notas bem menores e vendendo muito menos.
Com performances comerciais discutíveis em seus últimos jogos do Homem-Aranha, a Activision deve ter dado pulos de alegria em 2012, quando a Sony resolveu levar o menino Parker de volta às telas dos cinemas.
No mesmo ano do primeiro filme com Andrew Garfield era lançado também The Amazing Spider-Man, em todas as plataformas possíveis na época. O jogo também foi feito pela Beenox.
As notas no Metacritic não foram grande coisa, mas as vendas foram muito melhores, realmente provando a diferença no marketing que o cinema faz. Então é evidente que a Activision quis repetir a dose com a continuação do game e do filme.
The Amazing Spider-Man 2 saiu em 2014, também junto com a estreia da continuação no cinema. Mas neste caso foi perceptível a pressa para não perder a janela de lançamento do filme, com um título que chegou bugado e visivelmente sem polimento. A continuação era de muitas maneiras inferior ao jogo anterior, mesmo sendo feito para uma nova geração.
Sair junto com o filme ainda garantiu um número de vendas relevante, mas foi bem menor que o Amazing Spider-Man original.
Os sucessos comerciais foram instáveis enquanto a Activision detinha a licença do Homem-Aranha, com vários erros mas também muitos acertos. A percepção da crítica, no entanto, pendia mais para o lado negativo, e é bem possível que a Marvel começou a se preocupar com a imagem do seu personagem como um todo, não apenas com as vendas dos jogos – afinal, a marca Homem-Aranha gera rendimento e um amplo portfólio de produtos.
Isso é especulação de minha parte, porque os motivos específicos nunca foram divulgados. De qualquer forma, depois do fiasco de The Amazing Spider-Man 2, a Marvel rompia com a Activision na produção dos jogos.
Maximum Spider
Reza a lenda que a Marvel procurou diretamente a Insomniac games para a criação de um jogo, e que foi o estúdio que escolheu trabalhar com a Homem-Aranha. A Sony só teria entrado depois nessa parceria, como produtora.
Como mencionado anteriormente, a “amizade” recente entre Marvel e Sony deve ter ajudado na produção do game, que também não ignorou a presença do aracnídeo nos cinemas para se promover.
Diferente da política da Activision, no entanto, Marvel’s Spider-Man não chegou a ser apressado para sair exatamente no mesmo ano que o filme, e também não houve uma preocupação em fazer o jogo refletir o que se via na telona. Os produtos são independentes, apenas aproveitam a popularidade do herói para chamar a atenção.
Todos sabemos como a fórmula deu muito mais certo. A recepção no Metacritic foi a melhor que o herói já teve desde sua estreia lá no primeiro PlayStation, e as vendas foram esmagadoras, mesmo levando-se em conta a exclusividade do jogo.
Com o sucesso, veio o “puxadinho” protagonizado por Miles Morales e uma continuação propriamente dita, que chega muito em breve.
É interessante que Marvel’s Spider-Man 2 vai se “sustentar” sozinho – isso é, sem a proximidade com um filme para ajudar em sua promoção. Vai ser interessante ver sua performance comercial em relação ao antecessor, especialmente se o título mantiver o mesmo nível de qualidade. O sentido aranha chega a coçar.