Os meandros da política, os tortuosos caminhos de projetos de lei que regulamentam setores da economia, parecem trilhas pouco exploradas que, vez por outra, conseguimos percorrer. E o pior: percorremos e descobrimos que a democracia precisa, sim, da eterna vigilância. É o que se percebe com o PL 2796/21. Esse deveria ser o Marco Legal da Indústria Brasileira de Games. Deveria. Como está, é um gol contra a indústria de games nacional.
O texto, de autoria do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), percorreu um caminho de armadilhas. Foi alterado com um enxerto no último minuto ainda quando estava na Câmara. Chegou ao Senado sob a relatoria do senador Irajá Silvestre Filho (PSD-TO), disfarçando suas reais intenções: driblar as necessidades do setor e ceder vantagens a uma minoria —os jogos de esportes de fantasia.
O golpe contra a indústria está em classificar como o único subgênero dos games os jogos de fantasia esportivos, desprezando os jogos educativos, por exemplo. Como está, o projeto de lei não resolve nenhum dos pontos que a indústria de games brasileira precisa resolver. Mas privilegia uma minoria.
A possibilidade de o setor crescer, aumentar a empregabilidade, gerar oportunidades para jovens e colocar o Brasil como polo global da economia criativa está, exatamente, na criação de condições reais de desenvolvimento de todo o setor. Todos os gêneros. Sem distinção. O marco deve fortalecer o ecossistema de criação e produção em estúdios espalhados pelo Brasil, não apenas em empresas focadas em um gênero. Pense num país em que se defina que, a partir de agora, somente documentários podem ser chamados de cinema. É o que vai acontecer. E a quem isso interessa? Essa é a armadilha.
A grande impulsionadora do PL, e interlocutora do senador Irajá, é uma entidade chamada ABFS (Associação Brasileira de Fantasy Sports). Recém-criada, seus estatutos são datados de 26 de setembro de 2022. Escreve isso nesse mesmo estatuto, em seu artigo 2º, onde descreve que “A ABFS tem como escopo e objetivo: I. representar os fantasy sports, que são seus associados, em âmbito nacional e internacional, relacionado à prática de jogos físicos e digitais”. Vale a leitura do estatuto disponível no site da ABFS.
Cria-se uma situação absurda. A Associação Brasileira de Fantasy Sports não representa o setor, trabalha pela aprovação de um texto contrário aos interesses da indústria e é ouvida por um senador que não tem interesse em fazer um marco bom para empresas, profissionais e para o país. É uma partida em que praticamente todos perdem.
O PL retira 95% da produção de games do Brasil do cenário nacional e internacional, exatamente quando a indústria brasileira de games está passando pelo seu melhor momento. A Abragames, representante do Brasil no setor há mais de 15 anos, e as mais de 15 entidades regionais, convenientemente, não foram ouvidas.
Quem perde nessa partida com resultados viciados? Perdem as empresas brasileiras, perdem os profissionais e os gamers. Perde o país, que desperdiça a oportunidade de participar da economia digital não apenas como consumidor, mas como fornecedor, gerando milhares de empregos, renda e arrecadação. Estamos tentando evitar esse placar desfavorável. Porém, é preciso compreender que todos perdem, exceto aqueles que querem game over numa aposta a qualquer custo e para qualquer lugar. Menos para o Brasil.