Óculos de ‘realidade mista’ chegam ao mercado, mas têm potencial duvidoso


Muito antes de tudo o que vemos por aí, da infinita revolução provocada pela internet, o poeta francês Paul Valéry (1871-1945) deu a deixa: “O problema do nosso tempo é que o futuro não é mais como costumava ser”. Com o passar dos anos — e a velocidade das mudanças —, muitas das promessas de ontem não vingam hoje, e o amanhã precisa ser reinventado.

APOSTA - Vision Pro, da Apple: dificuldade de vingar como ícones da marca
APOSTA - Vision Pro, da Apple: dificuldade de vingar como ícones da marca (./Divulgação)

É o que se pode dizer dos óculos de realidade virtual (VR, na sigla em inglês), afeitos a criar 100% um novo mundo, e de seus irmãos mais jovens, manufaturados para enxergar a chamada “realidade mista”. Nessa nova categoria mescla-se a VR com a realidade aumentada (AR), recurso pelo qual se aplica em ambientes reais uma série de objetos fictícios.

PARA JOGAR - O PSVR2, da Sony: afeito ao mundo dos games, e pouco mais
PARA JOGAR - O PSVR2, da Sony: afeito ao mundo dos games, e pouco mais (./Divulgação)

Eis o que anuncia, como se o céu fosse o limite, o Quest 3, dispositivo da Meta, empresa que controla o Facebook e o Instagram. Os óculos acabam de chegar ao mercado americano, mas não têm data para desembarcar no Brasil. Podem ser usados em games, com imersão inigualável, ou mesmo por quem deseja algo um tantinho mais espetaculoso diante dos olhos. Outras empresas parecem muito interessadas em um mercado que, segundo estimativas, pode sair de 1,6 bilhão de dólares em 2023 para 5,6 bilhões de dólares em 2032, se tudo der certo — embora as ilusões perdidas até aqui indiquem outro caminho. Mas e daí? Vale tentar e vale sobretudo o marketing de estar na franja da alta tecnologia. A Sony lançou o PSVR2, óculos de realidade virtual mais “convencionais”, projetados para pôr os jogadores dentro dos games (e é bacana, sim). É um dos poucos dispositivos disponíveis no Brasil. A Apple, celebrada pela capacidade de inovar e reinventar a indústria, tem o Vision Pro, uma ferramenta de realidade mista. Ela replica dentro dos óculos o cenário ao redor do usuário, mas com funções adicionais, como notificações de compromissos, preços de produtos e a possibilidade de fazer chamadas com apoio do iPhone. Tudo virtualmente extraordinário e fascinante, mas falta passar no teste da realidade.

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Diz-se, entre os especialistas, que os produtos de tecnologia precisam ter duas variáveis fundamentais: utilidade percebida pelo consumidor e facilidade de uso. Um smartphone, por exemplo, atende a essas duas exigências. E os óculos? “Não são fáceis de utilizar, nem tanto pela interface, mas sim pelo desconforto físico de uma máscara colada no rosto”, diz Marco Aurelio de Souza Rodrigues, professor do mestrado em economia criativa da ESPM. “O usuário estaria disposto a relevar esse fator se experimentasse algo que seria impossível viver sem. Mas honestamente não sei se é o caso.” E sem praticidade, sobra pouca coisa. O preço também é um convite à desistência. Some-se a isso as confusões ligadas à privacidade, já que os gadgets funcionariam como janelas abertas para coletas de dados que não deveriam circular sem controle. É possível que, naquele futuro que já não é como costumava ser, as traquitanas venham a vingar. Por enquanto, tudo indica que não — e elas têm tudo para dar as mãos a produtos, como a TV 3D, que pareciam inescapáveis (leia o quadro) e perderam tração. É ver para crer.

Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2023, edição nº 2863

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