
*Por Laura Purri e Laura Góis
Nos últimos anos, o mercado imobiliário tem passado por uma profunda transformação, impulsionada pelo avanço tecnológico e pelo crescimento das proptechs – startups que criam soluções inovadoras para o setor. Essas empresas desafiam paradigmas ao incorporar tecnologia em diversas etapas de uma operação imobiliária, incluindo transações de compra e venda, locação e até gestão patrimonial. Como resultado, o setor se torna mais eficiente, transparente e acessível.
Embora essas inovações otimizem processos tradicionalmente burocráticos, ampliando o acesso ao investimento imobiliário e atraindo novos perfis de consumidores e investidores, é essencial que sejam acompanhadas por uma regulamentação adequada. Isso garantirá um uso seguro e equilibrado da tecnologia, protegendo todas as partes envolvidas no mercado.
Principais inovações das proptechs
Uma das inovações trazidas pelas proptechs é a adoção de assinaturas eletrônicas para a formalização de negócios imobiliários. É possível realizar transações de forma totalmente digital, eliminando a necessidade de deslocamentos a tabelionatos de notas e a cartórios de registro de imóveis, além de dispensar intermediações presenciais.
Ciente desse avanço e visando garantir a segurança jurídica, sem perder a agilidade e praticidade nas negociações, o Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR) – responsável pela implementação e operação do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI) (art. 76 da Lei federal nº 13.465/17) – publicou, em outubro de 2024, a Instrução Técnica de Normalização nº 02/2024. Essa norma estabelece diretrizes para o uso de assinaturas eletrônicas nos atos de registro de imóveis, além de regulamentar os serviços eletrônicos considerados confiáveis pelo ONR, conforme a Lista de Serviços Eletrônicos Confiáveis do Registro de Imóveis (LSEC-RI).
O uso da inteligência artificial (IA) também vem revolucionando o mercado imobiliário. Com o suporte de algoritmos de machine learning e análise de big data, a IA processa e cruza dados em tempo real, incluindo histórico de preços, localização, demanda, perfil de usuários e características do imóvel, possibilitando avaliações mais precisas e recomendações personalizadas. Um exemplo desse avanço é o Quinto Andar, uma das principais proptechs do Brasil, que anunciou, em janeiro de 2025, o lançamento de uma ferramenta de pesquisa baseada em IA generativa para encontrar imóveis disponíveis para compra ou locação. Com base no comportamento e nas preferências dos clientes, a IA recomenda opções que se ajustam perfeitamente ao perfil de cada comprador ou locatário, otimizando a busca e melhorando a experiência do usuário.
Outra inovação de destaque é a tokenização de ativos imobiliários que, viabilizada pela tecnologia blockchain, permite o fracionamento jurídico da propriedade de imóveis por meio da emissão de tokens digitais, que representam frações digitais do bem. Esse modelo possibilita que pequenos investidores acessem o mercado imobiliário com aportes menores, democratizando o investimento e aumentando a liquidez dos ativos. Além disso, a blockchain confere maior transparência e rastreabilidade às transações, reduzindo significativamente o risco de fraudes. No Brasil, empresas como a BlockBR já operam nesse segmento, permitindo que investidores adquiram frações de imóveis de forma digital e descentralizada.
As proptechs também vêm redefinindo o mercado de locação, tornando-o mais flexível e acessível. Um exemplo é a Housi, startup pioneira no conceito de moradia por assinatura, que elimina exigências tradicionais como fiador, caução ou seguro-fiança. Ao oferecer contratos mais flexíveis e desburocratizados, a Housi permite que os inquilinos aluguem imóveis por períodos curtos ou longos, incluindo serviços como mobília, internet e limpeza no pacote, tornando a experiência mais ágil e conveniente.
Benefícios e desafios das Proptechs
Os benefícios proporcionados pelas proptechs são amplos e impactam diversas áreas do mercado imobiliário. A digitalização dos serviços acelera processos, reduz custos operacionais e aumenta a confiabilidade das transações. Tecnologias como a blockchain, por exemplo, garantem registros imutáveis e auditáveis em tempo real, conferindo maior segurança às operações e minimizando o risco de fraudes documentais. Além disso, plataformas digitais revolucionam as transações, simplificando contratos e eliminando burocracias que antes dificultavam a conclusão dos negócios.
No entanto, o avanço das proptechs também impõe desafios jurídicos significativos. Um dos principais obstáculos é a ausência de legislação robusta sobre o tema, que ainda não acompanha a velocidade das inovações tecnológicas. Essa lacuna exige uma atualização dos marcos regulatórios, de forma a integrar práticas digitais sem comprometer a segurança e a autenticidade dos atos jurídicos.
Outro ponto crítico é a proteção de dados. Com o aumento das transações eletrônicas e o tratamento constante de informações sensíveis – como dados pessoais, financeiros e comportamentais –, as proptechs devem observar rigorosamente a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei federal nº 13.709/2018). Qualquer vazamento ou uso indevido dessas informações pode comprometer a confiança dos consumidores e resultar em sanções administrativas e ações judiciais. Assim, o grande desafio para essas startups é conciliar inovação e eficiência operacional com segurança e conformidade legal, garantindo que o avanço tecnológico seja sustentável e confiável para todos os envolvidos.
Considerações Finais
A consolidação das proptechs como protagonistas no mercado imobiliário representa um marco na evolução do setor. A incorporação de tecnologias como assinatura eletrônica, IA, blockchain e plataformas digitais tornam o mercado mais eficiente, acessível e transparente, otimizando processos e democratizando o acesso à moradia.
Entretanto, para que essa evolução seja sustentável, é imprescindível que o ordenamento jurídico acompanhe o ritmo das inovações, garantindo segurança jurídica, previsibilidade e regras claras para a adoção dessas tecnologias. Isso reduz riscos e fortalece a confiança de investidores, consumidores e operadores do setor.
Mais do que uma revolução tecnológica, a transformação promovida pelas proptechs é estrutural, redefinindo a forma como os imóveis são negociados, ocupados, investidos e percebidos. Cabe ao Direito, às instituições e aos agentes do mercado acompanhar essa evolução, garantindo um ambiente que estimule a inovação sem comprometer a segurança jurídica e a proteção dos direitos fundamentais dos envolvidos.