Quem tem medo da tecnologia?


Nesta era de rápidos e revolucionários avanços das tecnologias digitais, o substantivo inteligência tem ganhado a companhia de diferentes adjetivos: inteligência artificial, inteligência artificial generativa, inteligência viva (termo usado por Amy Webb na edição de 2025 do South by Southwest, conhecido como SXSW, maior festival de inovação do mundo, que ocorreu em março, em Austin, nos Estados Unidos)… Eu escolhi outro: inteligência ampliada, porque acho que define melhor a forma como encaro o universo digital. 

Ao contrário daqueles que veem a tecnologia como um fantasma ameaçador, que vai roubar empregos ou nos subjugar aos seus domínios, eu a enxergo como uma extensora da inteligência humana. É uma aliada que nos permite ir além, ser mais eficientes, dedicar tempo ao que realmente agrega valor, promover transformações antes praticamente impossíveis e gerar impactos positivos na vida das pessoas. E aqui está a palavra-chave: pessoas. São seres humanos que criam inovações, escolhem o que fazer com elas e com qual objetivo. 

Tem uma frase de Rohit Bhargava, autor de Não Óbvio e outros best sellers, que ouvi na SXSW de 2023 e que me marcou muito, porque a endosso 100%: “o único futuro que podemos produzir é aquele que podemos imaginar”. E aqui temos mais uma particularidade dos seres humanos: são eles que têm o dom da imaginação.

Este ano, mais uma vez, garanti meu lugar na apresentação de Bhargava no SXSW, que apontou o vício digital e a solidão como dois grandes desafios globais atualmente. Lembrei até do personagem do filme Her, que só interage com uma IA e se apaixona por ela – vive isolado das pessoas e do mundo real. 

Para além dos aspectos relacionados à saúde mental, tais problemas corroem a interação humana e a confiança, dois elementos que o palestrante considera como sendo insubstituíveis pela tecnologia. São ingredientes que fomentam a nossa capacidade de imaginar, de discutir ideias e até posições divergentes, de enxergar o não óbvio, de nos questionar sobre aquilo que aceitamos como verdades absolutas, de colaborar e trabalhar em equipe (que pode ser mediado pela tecnologia, como ferramenta para facilitar a interação humana). 

Bhargava também falou sobre os campeões, que são aqueles que não apenas vencem, mas também dão suporte e desenvolvem os demais, fazendo outros vencedores. “Pessoas que entendem pessoas sempre vencem”, disse ele. Era uma referência à colaboração, à complementaridade e ao trabalho em equipe. Mas podemos interpretar de forma mais ampla: entender pessoas nos ajuda a enxergar os desafios e aquilo que é mais importante, nos inspira a imaginar o futuro e a buscar nas interações humanas e na nossa aliada tecnologia formas de construí-lo. 

Para ilustrar, vou citar um exemplo, alinhado ao propósito do Einstein (e das pessoas que fazem o Einstein) de transformar a saúde e promover a equidade. Olhamos para as mulheres do Amazonas que morrem durante a gravidez ou até pouco mais de um mês depois do parto (a taxa de mortalidade materna do Estado é das mais elevadas do país) e para as muitas regiões onde falta, muitas vezes, especialistas no acompanhamento pré-natal. Entendemos essas pessoas (as gestantes e os profissionais não especializados) e imaginamos um futuro diferente. Atuando colaborativamente, criamos um programa de inteligência artificial generativa que “escuta” a conversa entre médico e paciente durante a consulta, avalia as informações e sugere ao profissional perguntas que o ajudam a identificar riscos para a gestante e o bebê. É informação que direciona os cuidados médicos e salva vidas. A iniciativa recebeu grant da Fundação Gates porque os avaliadores elegeram o projeto como um dos vencedores do Grand Challenges 2023. 

As profundas e velozes transformações impulsionadas pela tecnologia podem, sim, trazer incertezas e temores que alguns enxergam como fantasmas. Mas o melhor que temos a fazer é usar o nosso insubstituível poder humano para imaginar e produzir o futuro que queremos. A tecnologia, ou seja, a Inteligência ampliada, vai ajudar.


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