O relatório A tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem?, da responsabilidade da UNESCO, aborda o uso de ferramentas tecnológicas em sala de aula e aponta impactos do uso da tecnologia na Educação. Focando na experiência universal de aprendizagem à distância forçada pela pandemia de covid-19, o relatório conclui que a tecnologia é hoje um maior fator de exclusão do que de inclusão no ensino, devido ao acesso desigual entre estudantes em contexto social mais favorecido e os mais desfavorecidos: um dos pontos destacados no estudo sobre o ensino online refere que este evitou o colapso das escolas na pandemia, mas, do alcance potencial de mais de mil milhões de estudantes, não foi capaz de chegar pelo menos a 500 milhões, o equivalente a 31% dos alunos de todo o mundo, entre os quais 72 % dos mais pobres.
Esta é uma das principais conclusões do estudo, em debate esta quarta-feira no Simpósio Internacional sobre Tecnologias e Educação na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti (ESEPF), Porto. Assim, refere o documento: “A tecnologia pode ser uma salvação para a educação de milhões, mas para já exclui muito mais pessoas”.
Professores e investigadores, a ESEPF e a Organização Estados Ibero-americanos (OEI) para a Educação, Ciência e Cultura encontram a justificação para estes dados contundentes não na tecnologia em si, mas na falta de acesso à mesma. “Os governos, as empresas de tecnologia e os doadores internacionais ainda abordam a divisão digital com algum grau de fatalismo: a infraestrutura digital é algo que os países ricos obtêm, mas os países pobres não podem pagar e, por extensão, não devem esperar obter. Penso que é importante ver a tecnologia, especialmente o acesso à internet, como um serviço público e começar a tratá-la como tal, defendendo o acesso universal à banda larga”, explica Mary Burns, investigadora convidada, da ESEPF.
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A responsável diz ainda haver cobertura de banda móvel em 95% do mundo, mas “os habitantes, muitas vezes, “não conseguem aceder a esta rede devido à falta de acessibilidade ou à falta de equipamento”.
“Este é o desafio maior, mas os governos, na maioria dos casos, podem trabalhar com empresas de tecnologia para fornecer esse acesso (sempre haverá lugares no mundo que não têm acesso à internet por razões geográficas). Este é o primeiro passo e requer vontade política, políticas e muito dinheiro”, sustenta. Para Mary Burns, só quando esse acesso estiver assegurado é que “os governos podem voltar-se para o acesso ao nível das escolas – equipamento, infraestrutura, formação para professores e alunos, conteúdo digital, padrões e integração da tecnologia no currículo, na instrução e na avaliação”, admintido tratar-se de “um processo muito longo, mas que precisa de ser realizado para diminuir a divisão digital e tornar a tecnologia mais inclusiva em vez de exclusiva”.
Uma preocupação partilhada por Paula Barros, coordenadora dos programas de Educação e Parcerias da OEI Portugal. “A introdução de tecnologias digitais na Educação não transforma automaticamente as condições estruturais do modelo organizacional e pedagógico dos Sistemas Educativos, nem responde aos problemas da exclusão, da qualidade das aprendizagens, ou da gestão ineficaz dos sistemas”, sublinha.
Neste contexto, Paula Barros relembra uma das conclusões do relatório: “A tecnologia não precisa ser avançada para ser eficaz”. O mais importante na aprendizagem “é como a tecnologia é utilizada”.
“Por exemplo, apesar do facto de a rádio e a televisão existirem desde os Anos 1920 e 1930, só a partir dos Anos 1970/80 é que a rádio começou a mostrar impacto na aprendizagem. Da mesma forma, a televisão tem sido usada para transmitir conteúdo para professores e alunos, mas, por exemplo, no México [um dos países monitorizados pela OEI] só recentemente os dados do programa Telesecundaria mostraram impacto na aprendizagem dos alunos. Semelhante ao Telesecundaria, Portugal utilizou telescolas para proporcionar acesso Secundário a estudantes rurais e fornecer algum nível de formação a monitores em sala de aula que não eram professores qualificados”, explica.
Paula Barros assume que a tecnologia, por si só, não resolverá o problema de aprendizagem existente, mas “possibilitará novas formas de educar, aprender e avaliar que são extremamente valiosas que devem ser ponderadas”.
Mary Burns também se debruçou sobre os aspetos positivos referidos no Relatório da UNESCO e é perentória ao afirmar que “a tecnologia tem múltiplos benefícios diretos e indiretos para a Educação”. “Sabemos que, em termos de aprendizagem, os alunos têm mais probabilidade de aprender com tecnologia do que sem ela, especialmente os alunos em situação de risco. Mas sabemos que, se os estudantes do Sul Global não puderem usar a tecnologia com a mesma frequência e da mesma forma que os seus pares em países ricos, ficarão para trás em termos de oportunidades educacionais e profissionais”, explica.
No relatório A tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem? apontam-se outras vantagens, como as oportunidades para estudantes com deficiências. Rádio, televisão e telemóveis substituem a educação tradicional em populações de difícil acesso. Quase 40 países usam instrução por rádio. No México, um programa de aulas transmitidas pela televisão, em conjunto com apoio em sala de aula, possibilitou um aumento de matrículas de 21%. Na China, refere o estudo, as gravações de aulas de alta qualidade distribuídas a 100 milhões de estudantes rurais melhoraram os seus resultados em 32% e diminuíram a desigualdade salarial entre populações urbanas e rurais em 38%.
Contudo, alerta a UNESCO, a tecnologia pode ter um impacto negativo se for inadequada ou excessiva. Dados de avaliações internacionais em larga escala, tais como os fornecidos pelo Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Programme for International Student Assessment – PISA), sugerem uma correlação negativa entre o uso excessivo das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e o desempenho académico. Descobriu-se que a simples proximidade de um telemóvel era capaz de distrair os estudantes e provocar um impacto negativo na aprendizagem em 14 países.
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