
Única múmia do Antigo Egito no Brasil era devota da Deusa Ísis e viveu há 2,7 mil anos
A única múmia do Brasil está no Museu Egípcio Rosacruz, em Curitiba. Com ajuda da tecnologia, especialistas conseguiram recriar o rosto de “Tothmea”, que, segundo estudos, viveu há cerca de 2,7 mil anos.
A múmia abrigada no Paraná é o único exemplar de corpo inteiro existente no Brasil. Havia outras seis no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, mas elas foram destruídas no grande incêndio que atingiu a instituição em 2018.
Vivian Tedardi é supervisora cultural do Museu Egípcio Rosacruz e explica que há ainda um crânio de outra múmia em um museu no Rio Grande do Sul.
A reconstituição do rosto da múmia Tothmea resultou em uma mulher negra, com olhos cor de mel, cabelos longos e adereços. Veja no vídeo acima.
De acordo com o arqueólogo Moacir Santos, Tothmea foi a primeira múmia a passar por uma tomografia no Brasil. O exame foi feito no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que também atua como hospital de pesquisas (saiba mais abaixo).
“Aquele dia foi inesquecível. Nós conseguimos, por intermédio do Corpo de Bombeiros, que levassem na época”, contou.
O exame foi importante para descobrir outros dados sobre ela, como a idade que tinha quando morreu: 25 anos.

Reprodução facial forense da múmia Tothmea feito em 2019 — Foto: Creative Commons/Cícero Moraes.
Reprodução facial forense da múmia Tothmea feito em 2019 — Foto: Creative Commons/Cícero Moraes.
Como foi feita a reconstituição
Em 2013, o designer Cícero Moraes propôs ao museu fazer uma aproximação facial 3D e reconstruir a face da Tothmea de forma digital.
“Só que a Tothmea tinha um problema, a face dela tinha sido quebrada. A sorte foi que os fragmentos da face estavam todos dentro do crânio”, disse o arqueólogo Moacir Santos.
De acordo com Moacir, eles fizeram o trabalho de recuperação dos fragmentos, retiraram o conteúdo da caixa craniana e remontaram a face.
Com a face restaurada, a equipe usou a fotogrametria, método que permite obter dados sobre a geometria, características, tamanhos e localizações de objetos no espaço por meio de imagens digitais associadas a informações de georreferenciamento.

Reconstrução facial 3D da Tothmea — Foto: Creative Commons/Cícero Moraes
Reconstrução facial 3D da Tothmea — Foto: Creative Commons/Cícero Moraes
Novo problema
Segundo Moacir, Tothmea não tinha o crânio, mas os dados da tomografia anterior serviram para reconstruir o restante.
“O Cícero fez uma série de montagens com os cortes tomográficos. Pegou um crânio de doador compatível, um crânio virtual, digamos assim, e adaptou a parte posterior que não tinha. Ele já tinha a face pronta, aí ele fez essa parte final e, a partir daí foi trabalhado a reconstrução facial forense”, relatou.
Então, em 2013 é realizada a primeira reconstrução 3D de Tothmea. Em 2019, Cícero fez uma nova reconstrução.
“Essa segunda é mais moderna, com mais detalhes, mais próximo do que seria realmente a realidade. É bom lembrar que é uma aproximação facial forense, a gente não tá dando o retrato exato da pessoa como era”, explicou.
Moacir ressalta também que, por ser um método científico, chegam a mais de 90% de proximidade com o formato original.
Os detalhes, como cabelos e adereços, são construídos com base em estudos de como eram os colares na época, a etnia dos povos e outras informações. Saiba mais detalhes no vídeo abaixo.

Reconstrução facial da única múmia egípcia no Brasil foi feita a partir de fotogrametria
Múmia foi usada em ‘brincadeira’ de halloween
Segundo estudos, a múmia tem entre 2,5 e 2,7 mil anos. Mas, antes de chegar ao Brasil, o corpo passou por outros lugares.
Ela foi descoberta no Egito, na segunda metade do século 18, na antiga capital Tebas, onde hoje é a cidade de Luxor. Depois, em 1886, Samuel Sullivan Cox, na época secretário do governo americano, visitou o país e ganhou o exemplar e ainda uma segunda múmia de presente de um amigo.
Mais tarde, de acordo com as pesquisas, Tothmea permaneceu guardada durante dois anos, provavelmente em um depósito, explicou Moacir Santos.
Ao saber da existência da peça, o diretor do Museu George West na vila de Round Lake, no interior dos Estados Unidos, conseguiu obtê-la em 1888.
Ainda conforme as pesquisas, a múmia foi parcialmente desenfaixada no auditório da vila e o público pode vê-la. Depois, Tothmea foi levada ao Museu George West, onde ficou exposta por 31 anos.

Museu George West, nos EUA, onde Tothmea ficou por mais de 30 anos – local fechou em 1919 e foi demolido em 1965 — Foto: Acervo do Museu de Arqueologia Ciro Flamarion Cardoso.
Museu George West, nos EUA, onde Tothmea ficou por mais de 30 anos – local fechou em 1919 e foi demolido em 1965 — Foto: Acervo do Museu de Arqueologia Ciro Flamarion Cardoso.
Em 1919, o museu fechou e Tothmea foi guardada em um celeiro. Com o abandono, há histórias de que a peça foi mal tratada e chegou a ser carregada em um passeio de carruagem e a ser usada em comemorações do halloween.
“As crianças acabaram colocando ela de pé na porta da casa da diretora da escola da vila. Coisas terríveis, né? Foi nessa época que o caixão que ela estava, com pinturas e tudo mais, foi perdido”, contou o arqueólogo Moacir Santos.
Ainda segundo o arqueólogo, um objeto foi derrubado sobre o rosto da múmia, que ficou totalmente quebrado.
Depois, em 1939, Tothmea foi parar em uma instituição onde ficou guardada por quase quatro décadas e acabou sendo esquecida. Em 1972, ela foi exposta outra vez.
Porém, os registros são de que a aparência da múmia não agradou o diretor da instituição, que queria removê-la da coleção. Sem poder fazer isso, já que a peça tinha sido emprestada e não doada ao local, Tothmea permaneceu por lá mais alguns anos.
De acordo com o arqueólogo, em 1978, a historiadora Mary Hesson entrou em contato com o museu para que Tothmea fosse emprestada para Round Lake. Ela conseguiu.
Contudo, não havia mais museu na localidade e a múmia foi levada para o escritório da historiadora. Segundo pesquisas, Mary Hesson acreditava que a melhor coisa a fazer era sepultar Tothmea, o que não aconteceu.
No dia 24 de março de 1987, Tothmea foi adquirida pelo Museu Rosacruz de San Jose – Califórnia.
Depois de sete anos guardada na reserva técnica do museu, a múmia foi doada ao Museu Egípcio e Rosacruz, em Curitiba. Ela chegou na capital paranaense no dia 10 de abril de 1995.
Quem foi Tothmea?

Quem era a única múmia do Antigo Egito que está no Brasil?
Dois anos depois da chegada da múmia em Curitiba, Moacir Santos começou um projeto de pesquisa sobre a pela.
“Foi aí que eu comecei a desenvolver esse projeto de pesquisa e comecei a pesquisar e tentar encontrar fontes, encontrar dados que falassem sobre ela”, falou.
De acordo com o arqueólogo, chegaram informações da Califórnia sobre a múmia, mas não o suficiente.
Moacir cita que, a partir da tomografia, os pesquisadores descobriram que Tothmea tinha em torno de 25 anos quando morreu e que tinha cerca de 1,48 metro de altura.
“A gente sabe principalmente por causa da dentição e do desenvolvimento dos ossos. Ela tem esqueleto em perfeito estado de conservação. A questão da dentição, estava em excelente estado de conservação, também”, diz.

Tothmea no tomógrafo do Hospital de Clínicas, em 1999. — Foto: Moacir Elias Santos/ Acervo do Museu de Arqueologia Ciro Flamarion Cardoso.
Tothmea no tomógrafo do Hospital de Clínicas, em 1999. — Foto: Moacir Elias Santos/ Acervo do Museu de Arqueologia Ciro Flamarion Cardoso.
Segundo Moacir, não foi possível identificar a causa da morte .
De acordo com Vivian Tedardi, supervisora cultural do Museu Egípcio Rosacruz, no caixão de Tothmea estava escrito “servidora de Ísis”, indicando uma possível atuação como cantora ou musicista dos templos da deusa Ísis.
“No tempo em que ela viveu, as mulheres não tinham cargos de sacerdotisas, então, a atuação estaria associada. Essa informação é a única que a gente tem sobre a vida dela no Egito antigo”, completou.
A supervisora cultural também conta que, por conta da desidratação do corpo, a pele da múmia tem coloração escura, principalmente pela resina de plantas usadas entre as faixas de tecido.
“Por isso que a gente vê essa coloração escura, inclusive nos próprios dentes. Mas eu brinco sempre com o pessoal, o raio x dentário da Tothmea mostrou que ela nunca teve cárie”, brinca.

Múmia Tothmea está exposta no Museu Museu Egípcio e Rosacruz, em Curitiba — Foto: Museu Egípcio e Rosacruz
Múmia Tothmea está exposta no Museu Museu Egípcio e Rosacruz, em Curitiba — Foto: Museu Egípcio e Rosacruz
No museu é possível ver alguns ossos do quadril, do antebraço e da mão. Também é possível ver a pele seca e uma unha preservada.
Os pés da múmia estão quebrados. Vivian disse que os estragos possivelmente são de quando a peça foi desenfaixada.
“O que chama atenção é que o Moacir identificou, entre as faixas de tecido, um tipo de faixa como se fosse uma barra de vestido. Isso faz a gente entender que as próprias faixas eram feitas das roupas que a pessoa utilizou em vida”, explica.
Os glóbulos oculares da múmia foram empurrados para dentro e há um tampão no lugar. Ela tinha ainda uma grande quantidade de resina na cavidade cerebral.

Etapa de restauração da face da múmia pelo arqueólogo Moacir Elias Santos — Foto: Liliane Cristina Coelho
Etapa de restauração da face da múmia pelo arqueólogo Moacir Elias Santos — Foto: Liliane Cristina Coelho
Como ver Tothmea de perto
Veja os horários, dias e valores disponíveis para visitar a múmia Tothmea e outros espaços culturais da Ordem Rosacruz:
O horário da bilheteria e o acesso às instalações será feito até 1 hora antes do horário de fechamento.
- De terça à sexta-feira – das 10h às 17h30;
- Sábados, domingos e feriados – das 10h às 17h;
- Endereço: Rua Nicarágua, 2620 – Bacacheri – Curitiba, Paraná
- Visitação completa = R$36 inteira e R$18 meia
- Museu Egípcio = R$10 inteira e R$5 meia
- Museu Tutankhamon = R$20 inteira e R$10 meia
- Complexo Luxor = R$10inteira e R$5 meia
- Plano família (2 inteiras e 2 meias) = R$100