Vinil feito com artistas ‘da quebrada’ ganha espaço em SP


O trombonista, cantor e compositor Josiel Konrad, de 38 anos, estava em processo avançado para finalizar seu álbum “Boca no Trombone”, em que mistura jazz e funk, quando recebeu o convite para lançar o mesmo trabalho em formato vinil. No começo, estranhou a conversa, mas deixou o projeto caminhar via troca de mensagens de celular, até que finalmente um contrato foi oficializado por e-mail. Com projeto gráfico caprichado em papel de alta qualidade, a tiragem saiu com 300 cópias de 180 gramas numeradas, hoje esgotadas. O lançamento do “bolachão”, em agosto passado, deu ao trabalho de Josiel fôlego para mais apresentações (ele recentemente esgotou uma data no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, e se apresentará no Dolores Club, no centro do Rio, no dia 24), e ajudou a completar uma boa maré de trabalho, motivada pela já “antiga novidade da mídia física”:

— O vinil colocou uma lupa em mim. Houve quem fosse aos shows para que eu pudesse assiná-lo, chegou a novos ouvintes, e foi mágico porque senti uma nova dinâmica acontecendo — afirma o artista, nascido no bairro de Austin, em Nova Iguaçu (RJ). — Talvez isso aconteça porque tudo na internet está ficando rápido demais, e o vinil consegue tornar as coisas um pouco mais palpáveis.

A conexão com o produto foi tamanha que ele está às voltas com o projeto de lançar, em breve, um disco compacto com novo trabalho.

O trombonista Josiel Konrad, — Foto: Divulgação
O trombonista Josiel Konrad, — Foto: Divulgação

Incertezas

O convite de gravar o vinil partiu de um selo chamado Made in Quebrada Discos (que para o lançamento em questão trabalhou em parceria com outros selos, o Vinil SP, o Romaria e a Rio Records, os dois últimos localizados no Rio de Janeiro).

O movimento não é propriamente inédito. O dono da Made in Quebrada, Edvaldo Mariano, de 44 anos, há tempos mantém o olho aberto à procura de artistas independentes — sobretudo aqueles vindos de periferias Brasil adentro — que possam render um bom trabalho em discos. A parceria com outras marcas do tipo garante a viabilidade financeira e de divulgação.

Ao lado da esposa, a pedagoga da rede pública de Embu das Artes, na Grande São Paulo, Marisa Reginatto, de 46 anos, eles já lançaram “cerca de 30 vinis”. A maioria é de artistas independentes, tirando duas reedições (uma da cantora Céu e outra do grupo Rappa).

— Começamos com os lançamentos em 2021, em plena pandemia. Foi um grande desafio, cheio de incertezas, iniciando com o Conde Favela Sexteto, um disco de jazz feito por artistas da periferia. Essa é uma identidade muito forte para nós — afirma Edvaldo, que, até o negócio engrenar, era professor de História — Para nós, faz sentido o lançamento de trabalhos que não existiam em mídia física, sendo preferencialmente de artistas da periferia. No caso dos ritmos tem de tudo, jazz, música popular, eletrônica, rap, samba. Há um movimento no Brasil (de outros selos), e sempre que lançamos algo, gosto de convidar outros parceiros.

Juntos, Edvaldo e Marisa já têm no forno mais projetos para este ano. Entre eles, o rap do grupo Puro Suco e outro do rapper Murica, ambos de Ceilândia, no Distrito Federal. Há ainda o trabalho avançado para lançar um artista de música eletrônica da Bahia e outro rapper de São Paulo.

O casal costuma manter as antenas ligadas para sons que possam render mais lançamentos.

— Vai vendo que a gente acaba sempre mirando no jazz e no rap — diverte-se Marisa, que em breve comemora bodas de prata da união com Edvaldo.

Novos ares na Barão

A Made in Quebrada surgiu com uma loja de discos. Lançada em feiras e outros eventos do segmento, a marca está desde 2019 na Galeria Nova Barão, entre as ruas Sete de Abril e Barão de Itapetininga, bem no centro de São Paulo. O endereço, erguido na década de 1960, conta com um pavimento elevado e uma porção de lojinhas. Uma boa quantidade delas vende discos de vinil, tornando o point uma boa pedida para os colecionadores de bolachões.

Na Galeria, a loja de Edvaldo e Marisa divide o espaço físico — de quase 50 metros quadrados e cerca de cinco mil discos disponíveis — com outra marca, a Casa da Mira, comandada por João Paulo da Silveira Bueno, o JP, de 50 anos. Ali a diversidade vai além do selo de lançamentos. Há discos de Mariah Carey a Beyoncé, passando por Abba, Caetano Veloso, Marisa Monte e seja lá qual for o gosto do freguês. No ponto, a loja costuma promover listening parties, um tipo de audição antecipada de trabalhos fonográficos, antes do lançamento nas plataformas digitais. No ano passado, os fãs puderam ouvir em primeira mão o novo disco do duo americano MGMT, “Loss of Life”, e mais o novo trabalho do franco-espanhol Manu Chao, “Viva Tu”, o primeiro do artista em 17 anos. Esse tipo de evento, explica JP, é o catalisador de novos visitantes para a “Barão”.

— Há uns dois anos fizemos um evento do tipo, com uma artista que ia tocar no festival do Primavera Sound. Das cem pessoas que estavam lá, o Edvaldo perguntou quantas estavam na Galeria Nova Barão pela primeira vez. Eram quase 80 — comenta. — A gente trabalha com todo tipo de colecionador, mas também gosta muito de quem está começando a vir para esse mundo. Pensamos na pessoa que poderá colecionar por 20, 30 anos.

Esse raciocínio, vale dizer, emana para outras lojas do pedaço. Na SP Vinil, parceira da Made In Quebrada em empreitadas como o disco de Josiel Konrad, e também localizada em um dos cantos da Galeria Nova Barão, há atenção especial a diversos tipos de consumidores, inclusive aqueles que não podem desembolsar muito dinheiro para comprar os seus discos.

— Aqui a gente mantém um setor promocional. Penso muito na inclusão do vinil, pois recebemos uma galera diversa. Aqui, com R$ 20 e paciência para garimpar e escutar indicações, você consegue sair com dois ou três discos. Claro, não vai levar para casa um “Racional” (1975), do Tim Maia, mas é possível conseguir títulos de samba e até algumas coletâneas de novela, boas pra deixar tocando numa boa — conta Vicente Melone Neto, de 42 anos — Isso significa a expansão do vinil para todos os centros.


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